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JANGADA DE PALAVRAS

 
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Morri na praia durante o longo tempo que uma onda leva a percorrer as contracções de um grito. As areias cravaram-se, uma a uma, na minha pele ingénua de sal e ardeu-me a sede de longínquas águas doces.

Decidi partir.

Ir à descoberta de um lugar onde o sol me despisse e o meu corpo pudesse sacudir as areias parasitas e o sal causticante.

Resolvi então construir uma jangada de palavras, que eu tinha armazenado, pouco a pouco, a pulso e dor, e escondia sob a minha pele em chagas. Jangadas de palavras não ocupam muito espaço e são facilmente ocultáveis... por isso consegui que o vento as desapercebesse. Só um velho medo, com hábito de longo e pesado caimento, me rondava o trabalho clandestino, cerceando-me de avisos e achincalhando-me de ironias.

Mas as palavras davam-me força, davam-se, generosas ao meu querer e à jangada, que foi crescendo, entrelaçando dor e riso, amor e ódio, paixão e desdém, inocência e culpa, esperança e desespero.

Alguns pássaros amigos passavam por mim e traziam-me no bico - do outro lado do mundo, das terras longínquas que eu almejava encontrar - materiais preciosos para a minha construção.

E, um dia, ficou pronta. Quer dizer, nunca estaria totalmente pronta, mas já dava para me fazer ao mar e ousar o descobrimento.

Na praia do meu partir, o velho medo, o velho do hábito longo, cravou-me os olhos agudos como finos estiletes... mas esquivei-me aos golpes, e, quando o vento afrouxou as forças com que arrepiava a maré, acordei as ondas e parti com elas, deixando o vento preso à palavra áspera que me tinha lançado à laia de anzol. E ao hábito longo do velho da praia, cosi-o com pontos miudinhos, o que o fez tropeçar e cair de borco, nas areias aguçadas do seu próprio esboroar...

...

O mar nunca é seguro. Às vezes, cala-me fundo a profundidade azul. E ainda estou perdida, em ponto minúsculo, na vulnerabilidade da minha jangada...

Saudades?... tenho. O meu stock de palavras vai dar para o resto da minha vida... mas não sei se morrerei à sede, entretanto.









Teresa Teixeira


 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/08/2011 17:25  Atualizado: 20/08/2011 17:25
 Re: JANGADA DE PALAVRAS
pra voce, para o texto...
beijão minha boa amiga!

Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 20/08/2011 22:44  Atualizado: 20/08/2011 22:44
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 Re: JANGADA DE PALAVRAS
Parte mas volta porque há por entre as sombras das horas a luz possível do regresso.

Beijo

Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 21/08/2011 15:27  Atualizado: 21/08/2011 15:27
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
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 Re: JANGADA DE PALAVRAS
Sterea,
Um texto brilhante. Uma jangada de sentimentos de toda a ordem que dá para transformar em palavras auspiciosas ou desoladas, mas sempre com a tua marca talentosa.
Beijinhos
Nanda

Enviado por Tópico
VónyFerreira
Publicado: 22/08/2011 14:33  Atualizado: 22/08/2011 14:33
Membro de honra
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Localidade: Leiria
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 Re: JANGADA DE PALAVRAS
Morro tantas vezes, Teresa! Em cada desilusão há uma morte e atrocidade!
Bela prosa poética que eu aplaudo
Vóny Ferreira