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esquizofrenia de um tipo desgovernado

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


o dia está triste. o sol não aquece e as palavras não amarram o papel – desesperado ato uma corda ao pescoço. aperto-a. sem folga. olho a janela que cuida de um barulho que não compreendo. encho o peito de ar. peço perdão ao tempo e atiro-me contra o relógio – o momento parecia perfeito para mudar de rumo. passava o décimo terceiro minuto – mas o treze já não tem a força do passado. já não traz o azar de outros tempos. talvez por lhe faltar a sexta-feira. afinal hoje é um dia miserável. segunda-feira. feriado católico – sobrevivi. o ponteiro dos segundo não aguentou o peso de um louco obstinado pela escrita – as letras partiram para mais um fim-de-semana alargado – agora. [para ser franco com os leitores] estou preocupado. regredi e sem compreender a razão estou supersticioso – deitei sal no canto das mãos. pendurei dentes de alho ao pescoço – na mão esquerda uma cruz aponta para um céu que desconheço a razão da sua existência e na boca uma dúzia de ladainhas contra o mau olhado. tirei-as do livro de s. cipriano. dizem que é o único capaz de fazer regressar as almas penadas às profundezas do inferno – não sei se é verdade. no inferno vivo eu e nunca vi nenhuma dessas almas errantes – pode ser coincidência não apanharmos o mesmo autocarro. não fazermos compras no mesmo supermercado. nem partilhar a fnac na procura do último best-seller – talvez seja tudo treta e a culpa unicamente da imaginação que não pára de me meter medo. repetindo a cada segundo que não sou capaz de escrever um texto com princípio. meio e fim – estúpida. em vez de valorizar o que é seu. não senhor. deixa o corpo pendurado de cabeça para baixo num ponteiro que nem é importante. pequeno. frágil. contando o tempo como se este não servisse para coisa nenhuma. segundos serão sempre segundos – bem que merecia um ponteiro de horas. grande. grosso. imponente e capaz de mudar a vida a cada movimento – talvez isto seja mesmo obra do diabo. talvez pela manhã volte a escrever alguma coisa com pés e cabeça. vou reunir as letras que extraviaram e quem sabe organizá-las de forma que possa voltar a amá-las. possuí-las e emprenhá-las de mim


para a minha amiga f

por saberes dares aos meus segundos um tempo que nunca acaba – estímulo. ânimo e bondade
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 15/08/2011 23:06  Atualizado: 15/08/2011 23:06
Usuário desde: 28/07/2009
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Mensagens: 10799
 Re: esquizofrenia de um tipo desgovernado
Há dias assim pouco famosos em que deparamos com barreiras difíceis de transpôr, além das contrariedades e da falta de capacidade para sonhar.
Mas temos que resistir, resistir é existir...será? Para além de todas as vicissitudes do quotidiano, é bom viver!
Amanhã será um dia melhor sem relógio nem corda, e os alhos meu amigo colocam-se nos cantos da sala, o sal convêm esparramar á entrada da porta...rsrsrs.

Uma santa noite, um abraço
rosafogo


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 16/08/2011 14:28  Atualizado: 16/08/2011 14:28
 Re: esquizofrenia de um tipo desgovernado
Ler-te por vezes dói.Parabéns por mais este
abraços


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 19/08/2011 01:32  Atualizado: 19/08/2011 01:32
Membro de honra
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 Re: esquizofrenia de um tipo desgovernado
a noite se cala porque suas palavras desafiam o que toca a alma de uma maneira apenas tua que grita pelos cantos de cada palavra vertida no céu do mar cada linha desafia como um sino ou destino eterno...
empresto esse torrente poema para ser sol na noite vasta e desprovida de barulhos (só daqueles que os ouvidos não vêem) bjs querido amigo


Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 29/08/2011 15:33  Atualizado: 29/08/2011 15:33
Membro de honra
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Localidade: Setúbal
Mensagens: 11099
 Re: esquizofrenia de um tipo desgovernado
Sampaio,
Podes ter sido mal sucedido no intento, mas na forma com que nos prendes na leitura deste texto foste, certamente, eficaz q.b.
Beijo
Nanda