A MENINA QUE NÃO SABIA BORDAR
Obs: Vejam a ousadia e perspicácia de uma jovem com apenas 14 anos. Baseado em uma história real
Papai eu quero uma sandália!
—... ?
Papai! O senhor está me ouvindo?
—...?
É muito bonita a sandália. Vi em uma loja de calçados no centro.
—...?
O senhor sabe que já estou crescidinha. Já tenho 14 anos e preciso de um calçado. As minhas amigas todas têm um calçado bonito, só eu que não tenho. Tenho até vergonha de sair na rua. Estou cansada de ir para o colégio de japonesa.
—...?
— Pai! O senhor tá me ouvindo?
O pai estava ouvindo sim. Mas não conseguia falar. Não tinha forças e nem coragem, como explicar para filha que ele o pai, deveria e queria dar tudo para suas três filhas, mas não tinha condições. Era um trabalhador assalariado e o que ganhava dava mal para o sustento da casa. Afinal ele era o pai e mãe daquelas três crianças. Cuja mãe o abandonara deixando-o com as crianças ainda pequenas para criar. O que ganhava como pedreiro era insuficiente; aquilo lhe atormentava! Tinha vontade de sumir! Desaparecer num buraco. Mas não podia afinal ele não era um monstro. Ou um pai desnaturado. Ele amava suas filhas e iria criá-las custasse o que custasse. Estava de costas para a filha, com os olhos marejando, não queria que ela percebesse que estava a chorar. Disfarçou um pouco a voz e respondeu com a voz um pouco embargada: minha filha eu não posso te dar. Você sabe que não tenho só você! Tem suas irmãs, e para comprar para uma, tenho que comprar para as outras. — Tudo bem papai! Eu entendo. Não se preocupe! Eu vou trabalhar então eu vou lhe ajudar. Ajudarei o senhor e minhas irmãs. Vou procurar emprego. Ela tinha consciência da sua pouca idade, mas era determinada e não iria desistir do seu intento.
A noite foi dormir, mas não conseguia dormir direito. Sua cabecinha estava cheia de preocupações e sonhos. Sabia que não seria nada fácil. Mas não iria desistir. Ela sabia que tinha uma vizinha dona de uma lojinha próxima a sua residência; a manhã iria procurar emprego lá. Bolou de um lado ao outro da cama por algumas horas até que foi vencida pelo sono.
— *** —
— Bom dia papai!
— Bom dia minha filha!
— Pai, eu vou procurar um trabalho hoje.
— Onde!
— Eu estou pensando em ir à lojinha da dona Rita. Quem sabe ela me arranja qualquer coisa, eu quero é trabalhar. Como de costume, o café já estava à mesa. Seu pai levantou cedo e o fez. Ela também fazia o café, mas naquele dia acordara atrasada, pois dormira um pouco tarde e talvez por remorsos o pai não a acordara. — Pois vá minha filha! Qualquer coisa suas irmãs ajudarão no almoço.
Ela foi ao banheiro tomou seu banho, colocou sua melhor roupa, tomou seu café e saiu. Ia torcendo para que tudo desse certo e conseguisse o emprego. Caminhou um pouco e logo chegou à loja. Não era muito longe, dava para ir a pé.
— Bom dia dona Rita!
— Bom dia minha filha!
—...?
— Em que posso ajudá-la?
— Meu nome é Amália.
— Muito prazer!
—...?
— Eu quero trabalhar, a senhora teria um emprego pra mim?
— Você sabe bordar?
— Não senhora.
—...?
— Mas eu preciso trabalhar Dona Rita! Lá em casa só tem meu pai que trabalha, e ganha pouco, por que ele é autônomo. Trabalha como técnico de som e vive só de bicos. E eu tenho duas irmãs mais novas, minha mãe largou meu pai deixando nós ainda pequena, desde então meu pai tem se desdobrado para cuidar de nós. E eu quero comprar minhas coisas, entende? Como roupas, calçados, mas meu pai não pode me dá, o que ele ganha dar mal para nós comer: outro dia eu pedi para ele uma bolsa e uma sandália, e ele me respondeu que não podia dar, por que tinha três filhas, se desse para uma teria que dar para outras. A senhora tá me entendendo? Eu não sei bordar, mas se a senhora me ensinar eu aprendo. Eu sou inteligente e aprendo rápido.
Eu preciso trabalhar para não passar fome e não quero mendigar nem pegar no alheio. Sou pobre, mas sou descente. Por favor, dona Rita, me dê uma chance de trabalhar garanto que a senhora não vai se arrepender. (enquanto ela falava seus olhos encheram de lágrimas e ficou com a voz embargada)
A Dona Rita comovida com a história da menina e com sua desenvoltura e ousadia dela. Ficou muito impressionada com sua situação. — Muito bem minha filha! Minha lojinha é pequena como você pode ver, não dá pra pagar muito, mas posso lhe pagar meio salário. Se você quiser pode começar agora.
— Quero sim! Respondeu a menina com os olhinhos brilhando de alegria.
— Pois entre aqui. Levou ela para uma sala ao lado, pegou uma cesta com algumas linhas, agulhas e uns pedaços de tecidos cortados de tamanhos iguais.
— Comece por estes, quando você tiver mais práticas irá bordar os vestidos e blusas.
Muito contente por ter conseguido seu primeiro emprego, ela acomodou-se na cadeira, pegou os materiais e começou ouvindo atentamente as instruções que dona Rita lhe dava. Seus olhos marejaram um pouco pela emoção; procurou disfarçar, mas Dona Rita percebeu. Fingiu que não tinha visto e começou a lhe ensinar.
—*** —
A menina trabalhava na loja durante o dia e nos fins de semanas trabalhava num salão de beleza. Muito contente por ter conseguido esses dois trabalhos, se desdobrava para ajudar em casa na comida do seu pai e suas irmãs ainda pequenas, que também lhe ajudavam nas tarefas de casa. Passado 30 dias chegara o dia de receber seu primeiro salário. Muito contente e ansiosa aguardava o momento de pegar seu primeiro tostão; só então ela saberia qual a emoção de ganhar seu próprio dinheiro. Afinal trabalhara duramente arduamente todos os dias e queria ser recompensada pelo seu esforço. Era menina sofrida, daquelas que se tornam adulta antes do tempo.
Chegou o dia do seu primeiro pagamento, muito contente recebeu seu dinheiro e muito contente guardou em sua bolsa. Não demorou muito e foi à loja onde vira a sandália que ela queria e comprou, aproveitando a oportunidade comprou também uma bolsa e algumas coisinhas para suas irmãs. Fez também umas compras para casa, tais como alimentos e gêneros de primeiras necessidades. Chegou a sua casa muito radiante foi logo abraçando suas irmãs e esperou seu pai chegar da rua. Quando ele chegou abraçou-o e com os olhos marejados mostrou a seu pai o que havia comprado e deu-lhe também um presente.
—***—
Passado algum tempo, ela completou dezessete anos e entrou na casa dos dezoito. Já no último ano do ensino médio procurou um estágio. Matriculou-se numa empresa de intermediação entre empresas e estagiários.
— Bom dia!
— Bom dia!
— Eu vim cadastrar meu currículo.
— Pois não?
— Eu quero me candidatar à vaga de estágio.
— Você tem preferência?
— Não! Qualquer função me interessa.
— Pois bem! Preencha aqui esse formulário.
—...
Preencheu o formulário e entregou-o à recepcionista e ficou na expectativa. —... — Aguarde em casa que ligaremos para você quando surgir uma vaga.
Dias depois estava ela em casa quando recebeu um recado da vizinha:
— Amália tem uma ligação para você!
Muito ansiosa ela foi atender a ligação
— Alô!
—...
— Sou eu...
—...
— Certo.
—...
Desligou o telefone e com um ar de felicidade exclamou: arrumei um estágio em uma clínica médica.
***
Chegou o dia da entrevista e ela não perdeu tempo. Na hora marcada lá se encontrava.
Arrumou-se toda, colocou sua melhor roupa, pegou o ônibus e com o endereço em um pedaço de papel se pôs a caminho. Chegando a clinica e apresentou-se na recepção.
— Bom dia!
— Bom dia!
— Eu vim para uma entrevista de estágio.
— Muito bem, sente-se e aguarde um pouco.
—Muito obrigada.
Passado algum tempo veio uma funcionária da clinica e chamou as candidatas. Pediu para que elas subissem ao andar de cima onde seria efetuada a entrevista. A entrevista era feita individualmente, uma candidata por vez. Amália estava um pouco apreensiva, mas estava confiante. Logo chegaria sua vez de ser entrevistada. Ela estava distraída com seus pensamentos quando ouviu seu nome:
— Amália!
— Sim! Pois não?
—É sua vez, entre!
Amália adentrou na sala e lá dentro sentou-se em uma cadeira que lhe ofereceram. À sua frente estava uma mulher de aparência jovem e um senhor com jaleco branco e tinha um nome escrito na borda superior do bolso: Dr. Kleber.
— Bom dia! — saudou Amália:
— Bom dia.
— Sente-se. Amália sim?
— Exato!
— Bom dia Amália, eu sou Márcia, administradora da clínica e esse é o Dr. Kleber diretor de RH.
Após algumas perguntas de praxe sobre as pretensões do candidato o Dr. Kleber perguntou para Amália.
— Por que você quer trabalhar, quais as suas pretensões? Conte-me um pouco de você, faça um resumo de sua história de vida, fale-me de você.
— Bem Dr. Não tenho muito que contar, mas vou falar um pouco de minha vida. Lá em casa somos quatro pessoas, tenho duas irmãs mais novas, moramos com nosso pai, pois minha nos largou ainda pequenas. Ela abandonou meu pai para fugir com outro, deixando nós ainda criança. Desde então meu pai tem se desdobrado para cuidar de nós três. Agora o senhor imagina um homem com três crianças ainda bebês, para trabalhar e cuidar das crianças a vida não tem sido muito fácil para nós e à medida que nós íamos crescendo foi aumentando as nossas necessidades e as despesas da casa. E toda vez que eu pedia uma coisa para meu pai, uma roupa, um calçado ou uma bolsa que fosse nova, meu pai dizia que não poderia dar...
— Por quê?
— Ele alegava que tinha três filhas e se desse para uma teria que dar para as três. E com isso não dava para ninguém. Então resolvi procurar trabalho e quando eu tinha apenas 14 anos fui a uma vizinha minha que tinha uma lojinha de confecções e pedi trabalho a ela. Ela então perguntou se eu sabia bordar, por que ela trabalhava com bordados. Eu respondi que não, mas se ela me ensinasse eu aprenderia por que precisava de trabalho para ajudar meu pai e minhas irmãs. E ela comovida com minha história me arranjou o emprego. Aceitei e aprendi não só a bordar como outras coisas. E por esse mesmo motivo estou pedindo aos senhores. que me arranje esse estágio.
Márcia olhou para o doutor e percebeu que ele estava com os olhos marejados, mas não disse nada.
— Quando você terminar seus estudos, que área você pretende fazer na universidade?
— Eu pretendo fazer direito.
— Nós também vamos lhe dar uma chance. Você começa na segunda feira.
— Muito obrigado doutor!
***
Na segunda feira bem cedo lá estava ela pronta para trabalhar. Tinha uma preocupação, suas roupas eram poucas e ela iria trabalhar numa clínica chique, que atendia a elite da cidade. Mas tinha que ir em frente, pegou sua melhor roupa, uma calça jeans e uma blusa branca. Sabia que na clínica davam fardas, mas enquanto não recebesse a sua teria que usar as roupas pessoais, que não eram muitas. Duas calças e duas blusas. Vez por outra perguntava: “quando é que chegam as fardas?” Visto que a loja estava demorando na entrega. Percebia-se a sua aflição pela ausência das fardas. Até que finalmente chegaram as fardas. Seus olhos brilhavam de alegria, parecia que estava recebendo um presente. Estava contente com seu trabalho, apesar de ser apenas um estágio, mas aquilo lhe renovava as esperanças e lhe dava um novo ânimo para continuar sua jornada em busca do seu sonho. Afinal, ela estava trabalhando, e o trabalho dignificava sua personalidade. E assim, a menina que não sabia bordar obteve êxito em sua primeira conquista no mercado de trabalho. Sua meta agora era a universidade.
DGáudio Procópio
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