Nunca pude voar, nunca pude tocar no céu. Nunca pude dormir em cima das nuvens e nunca pude mandá-las chorar por mim todas as minhas tristezas.
Ensinaram-me a olhar o céu e nele a imaginar um ser perfeito a quem chamaram Deus. Nunca o conheci, mas já falei com ele. E por mais lágrimas que me tenham queimado o rosto, por mais desejos dentro do meu coração inocente, por mais gritos que tenha chorado, por mais palavras que tenha dito entre soluços, por mais pedidos da criança que um dia fui, ele nunca me respondeu.
Já lhe escrevi cartas, já lhe disse para se sentar ao meu lado. E eu imaginei-o ali e adormeci em cima do seu colo.
Na minha mente ele vinha e punha os seus braços à minha volta.
Na minha mente ele pairava sobre mim e nas noites mais escuras, eu levantava o queixo aos céus e sorria-lhe, contava-lhe o que pensava que ele sabia, dizia as palavras que me proibi de dizer, ria-me de mim e chorava com ele.
Na minha mente ele sorria-me e olhava-me serenamente.
Na minha mente ele chegava sempre para eu lhe deixar as minhas angústias e levá-las com ele. Umas, ele levou-as, outras deixou-as e com elas, vieram também memórias.
Mas, na minha mente, também existiam todos os desejos que ele nunca tornou real, todos os lugares aos quais ele nunca me levou, pessoas que ele nunca me trouxe e outras que ele me tirou.
Era a minha mente, continua a ser a minha mente. A minha mente rebelde que adora controlar aquele meu coração mole, a minha mente que cede aos desejos do peito e que cria nela tudo o que ele nunca teve. Um dia, na minha mente, existiu Deus - em que coração acreditava e confiava.
O que a mente vê, o coração acredita. O que o coração quer, a mente cria. No meu coração ele existia e na minha mente eu vi-o.
Agora, ele parece-me diferente. Porque o coração deixou a confiança quando ele não chegou, quando ele não aparou as lágrimas e não trouxe os sorrisos.
Eu esperei por ele todas as noites com um sorriso no rosto e por vezes, com lágrimas nos olhos. Eu esperei-o, eu falei-lhe, eu convidei-o para entrar nos meus sonhos e para me levar ao paraíso. E ele nunca chegou.
Hoje ele parece distante, já não me sorri.
Já não lhe peço para se sentar no fundo da minha cama e me embalar até chegar aos sonhos, onde criava tudo o que lhe pedia para me trazer.
Ele não me traíu, simplesmente nunca se compremeteu.
Ele não me desiludiu, desiludiu sim àquela criança que o via, na sua mente.
Na minha mente existiu um dia Deus.
Lau'Ra