Voltei a este texto mais uma vez. Como eu já disse, eu volto a este texto como o cão torna ao seu próprio vômito. Volto por que me repugnam, hoje e sempre, a ansiosa e estulta busca de infinitude, e também a estupidez dos que vivem esquecidos da Morte — é disto que trata este texto, “Saídas”.
Eu não gosto e nem desgosto do que eu escrevo; tal juízo não me compete, e afinal, a ninguém compete — pois, quem sou eu, e quem haverá de ler isto?! Escrever é alívio, é descompressão...
Eu sou apenas mais um bêbado na festa-guerra vida, portanto, eu falo sem me importar se sou escutado — falo ao grande mouco eletrônico – a internet. Boiar parece-me inferior a flutuar; boiar é apenas deixar-se ir, sem luta... Tal e qual os meus escritos: as minhas palavras são boiâncias no grande mar da internet... oferecem-se, sim, é verdade, mas sem destino, sem intenção de nada!
Escrever é, em paralelo ao que diz o usurário de Dostoiévsky, um modo de falar calado, sem gritar. Gritos, para quem escreve, quase não existem... pois os sons das palavras passam apenas pelos olhos atentos [não pelos ouvidos] dos poucos leitores, pouquíssimos, pois leitura não é para qualquer um, leitura "não é osso para andar em boca de cachorro"!
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No amplo alpendre, as filas de ladrilhos vermelhos
com losangos brancos lembram-me trilhas sem fim,
e na rua em frente, as pedras de basalto do calçamento
têm uma lisura que enseja o toque.
Do alpendre, olho longamente as pessoas e carros
que diminuem até sumir na distância da rua que liga
a estação da estrada de ferro à saída rodoviária;
estas duas extremidades, distantes de tocar o horizonte,
são os pontos mais altos da cidade, são as saídas.
Por isso, a rua chama-se, não de direito, mas de fato,
numa extremidade, Rua da Estação e na outra, Saída.
Das duas extremidades, a gente pode partir para o mundo,
é uma mera questão de escolher um sonho!
O meu alpendre fica próximo do fundo do vale
onde passa o córrego que recolhe as duas águas,
a que vem da Estação e a que vem da Saída.
Da murada da ponte ouve-se o marulhar
tranquilo das águas do corguinho
que parece um cantarolar de esperanças...
Mas agora, eu estou no meio, no fundo do vale,
e deste alpendre, não vou a lugar nenhum.
Meninos sonham apenas;
afinal, nem têm como escapar; só em sonhos mesmo!
Escapar... ir além dos altos... até os horizontes!
Olho, com um vazio na alma,
a calçada de pedras de arenito avermelhado
molhada pela chuva que cai mansamente.
Tempo fechado, úmido, frio... Passa um cão.
Com um ritmo resoluto, passos firmes, cadenciados,
lá vai ele, na direção oposta à subida da Estação.
Tem o corpo amarelado claro,
mas o dorso molhado está mais escuro que o resto do corpo.
Segue sempre, não vacila, nem se desvia.
Ali, debruçado na mureta de ferro batido do alpendre,
e olhando na direção de uma das distantes saídas,
penso no imenso mundo que tenho à frente.
Será que os meus passos terão algum dia
a resolução daqueles do cão molhado?
Ele vinha, com determinação, de algum ponto da cidade,
e se dirigia, com segurança, para outro ponto [a sua casa?].
Os cães não pensam, é claro.
Mas aquele cão parecia diferente! Onde teria ido?
Porque não ficava em seu quintal apenas,
sendo alimentado pelo dono, na segurança da moradia certa?
Ele passa com ar de quem fez algo importante...
Em que lugar? E agora, está de volta;
não há dúvida, está voltando e não indo!
O cão lembra-me certos homens de negócios;
estes, nunca têm dúvida de que rumo tomar,
e estão sempre voltando de algum lugar
onde fizeram algo importante [eles afirmam isso].
E na chuva, usam capas elegantes
escurecidas nos ombros pela umidade
[eu já os vi assim na praça central!].
Ombros escuros... como o dorso do cão!
Nesse momento, eu invejo o cão.
Certamente, ele não se gaba de vantagens;
não extorquiu, não fez mal a ninguém!
O cão é resoluto porque não sabe que vai morrer;
mas aqueles homens sabem disso.
Sabem, mas vivem como se não soubessem,
vivem como se fossem eternos!
Será por isto que ostentam tanta certeza?
Enquanto penso e devaneio saídas e o meu futuro,
o cão subiu mais um pouco a rua, e dobrou uma esquina;
Ou seja, decidiu!
Aprendi que todas as esquinas são um caso sério...
Mas não para aquele cão amarelado!
Pensando bem, quase esqueço que é instinto,
apenas instinto...
Aquela imagem do cão no dia chuvoso
Ainda hoje me impressiona!
Eu vou voltar à minha terra
[Tenho medo de não conseguir voltar...];
e de um alpendre que olha para as saídas do mundo,
vou esperar um cão amarelado passar novamente,
e vou segui-lo, vou desvendar o seu segredo!
Só espero que ele não dobre as esquinas
da minha cidade perfeita, e me leve ao cemitério!
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Da minha coletânea "Araguaris(Narrativas Poéticas)" - ilustrada por Paula Baggio
... e da velha Minas, verte o mundo até hoje!