Dentre as anotações do original do meu antigo “Caderno 1”, lê-se:
Aenas
Após um longo tempo,
a sua figura contra o azul
da tarde desfeita em saudades,
voltou-me, clara, enorme,
avassaladora dos homens-insetos.
Perpassou novamente pela minha visão
inquiridora em terras estranhas
a silhueta gigantesca do navio russo Aenas.
Teria esse nome algum significado
usual das coisas marinhas?
Não sei;
e nem quero saber,
pois temo que a tradução
destrua em minha mente
o sentir poético daquela tarde
No Porto de Albany, NY [circa 1982].
revisitado em [29/01/99]
E da brotação acima, poema foi escrito assim:
[Porto Estrangeiro]
[No Porto de Albany, NY]
O vento frio encrespava
as águas do rio Hudson
ainda cheias de flocos de gelo.
Nas margens, a lavoura de arroz
que um louco estrangeiro plantou
era apenas uma lembrança amarga
das vazantes do meu Rio Paranaíba.
No porto de Albany,
vejo a silhueta do Aenas,
um gigantesco navio russo — Aenas,
um belo e sonoro nome — eu pensei!
Mas não me diz nada,
e nem quero saber do sentido!
Agora, a minha dor nomeia o mundo:
"Aenas" fica sendo "distância",
distância da pátria,
distância de tudo que eu amo,
distância de mim, da minha vocação!
O Aenas vai partir,
e eu vou ficar aqui, neste porto gelado,
do lado errado da fronteira!
O Aenas vai partir,
e eu vou ficar aqui,
estudando para ser doutor
daquilo que eu não gosto mais!
O Aenas vai partir,
e eu vou ficar aqui,
riscando marcas indeléveis
nas paredes invisíveis que me cercam.
O Aenas vai partir,
e eu vou ficar aqui,
com a certeza absoluta
de ter errado a laçada.
O Aenas vai partir,
[que inveja dos marinheiros!]
e eu vou ficar aqui,
morrendo um pouco mais,
de tanta distância inútil,
de tanta dor vazia...
[Albany, NY, 1982]
[Penas do Desterro, 29 de janeiro de 1999]
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Um nunca sabe por que escreve, por que narra certas coisas... apenas para confirmar que a regressão é sempre errada, errosa? É, mas também não é... não há resposta cabal!
Há uma violência no ato de escrever, um atrevimento, uma loucura, uma besteira... ninguém me pediu que escrevesse, ninguém me paga para que eu escreva — meus escritos têm a mesma fenomenologia da baba do boi carreiro que, finda a dura jornada, apenas aguarda a descanga: surge na lenta mascação e escorre, cai na poeira do curral, sem compromisso com nada, sem dever nada a ninguém...
Eu sou aquele que faz perguntas e dá as costas para qualquer possibilidade de resposta - não estou interessado em respostas.