É tarde e ela já tomou as providências para a noite,
passou a tranca de madeira na porta dos fundos,
pôs veneno para o despitismo de baratas
que deu de aparecer debaixo do rabo
[do fogão de lenha,
lugar quentinho onde elas gostam de ficar.
Antes do escuro corredor dos quartos,
lá na sala de jantar,
no oratório de Santo Antônio,
o monte de vela derretida
já quase se apagou.
Pressurosa, ela acende outra,
que a sua esperança ainda não se acabou.
Com a casa adormecida como ela gosta,
ela agora está a postos.
Pela fresta aberta da veneziana,
na escuridão de seu quarto de solteira,
ela olha a rua, espreita os pecados alheios.
Vigia quem chega com quem,
uma batida de porta de carro,
a deixa em sobressalto.
Maligna, sua boca saliva os prazeres dos outros
que tanto flagela em si:
— Homem nenhum não presta mesmo!
— Uai... — pondera a fina ironia de minha mãe —
Então, decerto você já experimentou algum!
Com um remoque de irritação,
ela arrasta, sonoros, os seus chinelos,
pela estreita calçada de cimento do jardim.
Por entre flores e ervas para chás,
recolhe, com amargor, o despeito
no escuro silêncio de sua casa.
O seu sexo emurchecido,
há muito tempo gotejou por alguém,
mas gotejou tanto e à toa,
que, sem nunca sentir um gozo, secou.
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Visitação da minha coletânea "Araguaris[Narrativas Poéticas]", ilustrada por Paula Baggio