[Latentes circuitos do corpo]
No escuro pegajoso do meu quarto,
sufoca-me a noite sem sabor.
Deito-me completamente nu,
e, lentamente, viro-me de bruços,
como se ela estivesse sob meu corpo...
Mas, entre mim e a cama, o Nada avulta;
escorrego as duas mãos sob o travesseiro,
onde pouso o meu queixo,
e fixo os olhos na escuridão.
O calor, a desgraça do calor dos trópicos, é atroz;
transforma o colchão num leito de cinzas quentes.
Em cima de um móvel de madeira escura e pesada,
o ventilador matraqueia um barulhinho oco
e sopra um bafo quente sobre as minhas costas.
Como um réptil inerme, ali fico, imóvel.
reviro a mente, busco imagens onde possa me agarrar,
a parede ou raiz salvadora à beira do abismo,
a ponte sobre a correnteza que brame nas pedras lisas,
uma trilha para o sol além daquela mata escura!
Anseio ter vontade de qualquer coisa além do Agora,
voltar a ter fome pelo menos.
tento reagir ao torpor,
sacudir os membros adormecidos,
mas esmoreço, e deixo o Nada se apossar de mim;
nada, ninguém conseguiria me mover agora!
Não me move nem a lembrança dela, dançando doida,
rebolando de tesão, girando, girando louca de prazer
em torno do meu membro ereto como um mastro;
nem essa carência me livra do travo da presença da Morte,
que me rói assim, feito uma traça implacável!
Roma foi ontem... Ovídio foi exilado atoinha, atoinha,
por nada de nada, foi parar numa terra rude;
e eu, quem me exilou dela,
quem fundou para mim estas noites sem fim,
agruras do meu corpo, da vida enfim?
Ah... exílio, doce exílio;
lençóis de linho branco,
café com leite pela manhã,
a minha mão entrelaçada na sua mão,
o joão-de-barro, na entrada da casinha,
anunciando aconchegos de inverno...
Ah, meu exílio, meu exílio de mim,
estas cadeias eu mesmo as fiz,
eu mesmo as coloquei em meus tornozelos!
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Da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio
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