[Eu sou um ingênuo, sabe?]
Às vezes, tenho uma vontade estranha:
eu queria, por meio de algum sortilégio,
fundir-me nesse meu dizer e sair por aí,
pulsando na pura vibração de minhas palavras,
a dobrar esquinas, descer ladeiras,
até chegar àquela janela forrada de renda branca.
Nesse instante, eu seria um modo de pura palavra,
que se desvela... que confessa... ama e deseja!
Aonde não pode ir o meu corpo, iria
o meu eu-palavra transmutado na presentificação
de um íncubo que te toma e te possui: a forma fálica,
quente, úmida; a lúbrica forma quase confessável
que visita — eu tenho certeza!— os teus sonhos.
O meu eu-viajante noturno seria a engendração misteriosa
que te faria sentir na maciez perfumada do teu colo
que me alucina, o toque da minha língua sequiosa!
Ah! Pudesse esse meu eu-viajante recolher e trazer-me
o almíscar que trescala a tua boca que me sugou o falo
enquanto a minha língua percorria a tua greta úmida!
Ah... essa palavra... essa tensa palavra-eu que te busca!
________
Da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Bagio