Crónicas : 

Jaime-Jaime

 
Quem ainda se lembra do Jaime-Jaime, lembra-se dos campeonatos de boxe ganhos, dos troféus erguidos em frente às televisões, dos avisos sucessivos que ele fazia aos seus adversários ameaçando-lhes que lhes partia a cana do nariz. Quem se lembra disto, lembra-se também do quanto era importante ser amigo dele, ir a uma disco e ser ele quem estava à porta.
O Jaime-Jaime, uma verdadeira força da natureza, voz de trovão a fazer estremecer os corpos e recuar os inimigos. A sua cara cheia de golpes era o seu cartão-de-visita.
Olhá-lo de perto era já uma afronta. Mantinha respeito.

Quando entrava no café, sabia-se o significado do seu silêncio. Só dava pela certa. E o certo é que ninguém se opunha. O Jaime-Jaime era um tipo à moda antiga, falava tosco, carregava um nadinha nos erres, mas ai daquele que fizesse troça. Os seus músculos pareciam de cimento armado.
Apenas no amor é que a coisa não lhe corria por aí além, apesar de ter um coração mole para as raparigas. Os seus triunfos a este nível não lhe traziam grandes vantagens. Se com os homens era, repito, um autêntico feroz, com as mulheres, era um coninhas. Sim, elas metiam-lhe medo. Sempre que se aproximava de uma mulher, ainda que fosse para pedir lumes para um cigarro, envergonhava-se de tal forma que, para aumentar mais a esta sua pobreza, chegava até a libertar um xixi pelas perneiras abaixo. E lentamente foi tomado pelo desgosto por não haver uma, pelo menos uma que se pusesse debaixo dele sem ser por interesse, mas sim por amor.

Agora só entre nós, dizem os da aldeia que este medo que o Jaime-Jaime tem das mulheres e que o faz fugir tal como um coelho foge do caçador, é por ter o “membro” pequeno. É verdade, sim senhor, quem diria que um todo musculado tivesse carne em falta lá pelo tomatal. Vai daí a sua vergonha. Depois, ó diacho, se isto vem a público, lá se vão os méritos do passado, e de feroz passa a ser conhecido pelo Pila-Curta, aquele que tem um lápis que só escreve a letras minúsculas.

Anos se passaram e o Jaime-Jaime lá conseguiu arranjar uma a seu jeito, segundo ele, a flor mais virgem das redondezas, trabalhadeira e daquelas que se deita cedo. Uma mocinha de passado negro, infeliz, que ao lembrar-se desse passado que já lá vai, começa a chorar. Que ninguém lho lembre. Do nada, dá-lhe uns calafrios e começa a chorar. Dizem que foi por ter provado da erva do diabo. Ou da carne, não se sabe. É uma incógnita o seu choro. Felizmente os dias são os melhores lava-roupas que há por aí.

Por outro lado, claro que o Jaime-Jaime sofria em segredo pelo tamanho pequeno do seu lápis que, de certo modo, não lhe dava possibilidades de escrever grande coisa. E havia noites que pedia ao santo milagreiro dos lápis para que, por obra e graça, lhe aumentasse o dito cujo.
Com milagre ou sem milagre, o Jaime-Jaime não desistiu, e foi de propósito ao estrangeiro resolver o assunto que tem, neste caso não tem, entre pernas.

Por sinal, há lá um médico especialista que faz uns excertos e implantes que são uma categoria. Durante uns meses por lá andou, no estrangeiro, entre consultas diárias, picadas no cu, tirar carne de um lado para pôr no outro, mais umas quantas recaídas, mais noites mal dormidas e por fim umas ligaduras em volta do novo membro descaradamente ampliado. O Zeca andava em pulgas para ver o resultado. No entanto, pelo tamanho do enchumaço, a coisa devia estar no ponto certo. Quando chegou o dia verdadeiro de todas as evidências, depois de desenroladas as ligaduras com cuidado analítico, eis o pirilau, um senhor pirilau, mas com uma contrapartida.
Era negro, negro escuro como a noite que o pariu!, gritou o Jaime-Jaime furioso e raivoso ao ver o resultado. Teve de se conter com o que tinha e voltar para casa experimentar novas escrituras. Era uma questão de adaptação.

A sua mulher estava avisada que uma surpresa se iria dar. Ao saber disto, despachou-se logo a perfumar-se, preparou uns licores afrodisíacos num copo só, e esperou deitada na cama, nua debaixo dos lençóis com uma ansiedade trepidante no coração. Apesar dos contras, o herói chegou triunfante, entrando no quarto como se entrasse num ringue. Era o Jaime-Jaime no seu melhor. Começaram com uns pequenos beijos, uns abanões de lado, até que chegou a altura de lhe atacar com a surpresa, o seu novíssimo exemplar XXL. A sua mulher, ao ver a ponta do lápis, primeiro emocionou-se, depois, de lápis da na mão, do nada, deu-lhe uns calafrios e começou a chorar…
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
Conceição Bernardino
Publicado: 26/07/2011 21:02  Atualizado: 26/07/2011 21:02
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Mensagens: 3357
 Re: Jaime-Jaime
olá Flávio,

Já tinha saudades de ler as tuas crónicas, excelente

beijo


Enviado por Tópico
Valdevinoxis
Publicado: 31/08/2022 13:29  Atualizado: 31/08/2022 13:29
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 Re: Jaime-Jaime
O tom quase brejeiro com que se escreve este texto torna-o divertido sem ser foleiro. Bem escrito.
Uma história com piada, fácil de ler e cheia de sentimento. Uma mostra digna das fragilidades humanas... que afinal, de uma forma ou de outra, são bem reais.
Boa leitura para aligeirar a carga diária.