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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
arte. arte de escrever. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte. arte – com a minha arte de escrever quero dizer: estou esgotado da arte que não é feita por homens que comigo partilham todas as palavras. estou farto. [ilustre casa de ramires] – a minha arte só necessita de papel – escrever afinal é dizer coisas. coisas que encontro dentro do corpo e que. na maior parte das vezes. em pânico. deixo cair no papel – confesso que não me pertence esta vontade de escrever – escrever é uma purgação. forma de evitar o suicídio coletivo dos dedos. dos ouvidos. dos olhos. dos aromas e até a boca. possuída por uma alma errante perdida no caminho que a levaria ao eterno descanso. fala sem que ninguém a entenda – escrever é um estado maníaco-depressivo. sobrevive-me. dá sentido às palavras esquizofrénicas de um corpo são em mente louca – escrevo para me salvar – então parto como os cruzados no passado. também eu quero conquistar o paraíso; sei pela pouca lucidez que me resta que nunca terei setenta e duas virgens à espera no fim do texto - escrevo porque preciso de escrever. estou doente. diariamente injeto uma dose de palavras independentes do que há dentro de mim [da revolta. da amargura. da dor. da vontade] – escrevo sempre palavras livres. emancipadas e com tal vontade de queimar para sempre o papel que as guarda. ideias ácidas – mas a cabeça não está igual. esburacada. desfigurada para os amigos. bonita para os corvos. que com bicadas extraem o que resta do açúcar feito ao longo do tempo – bem queria ter o saber de escrever unicamente coisas boas. mas o que sinto dentro desta cabeça é fel. e não me larga – doente. penso então nos momentos em que sou capaz de dizer: não escrevas mais – mas não adianta. esta deformação cresce. não sei se algum dia será perigosa. talvez me espere um colete de forças e um par de paredes brancas com seringas penduradas no teto a baloiçar entre o cai e não cai. e a intuição é um homem vestido de branco a dizer: está na hora de tomar este acordo ortográfico. tome tudo de uma golada. ou sou obrigado a cortar o fio de uma destas seringas. e então nunca mais reconhecerá as letras. nem a vida. nem os amigos. nem aquela esperança de morrer voltado para o mar a olhar a sua gaivota cinzenta a cortar o vento norte definitivamente – sou louco por palavras que não significam nada para ninguém. são tantas que nem eu já as distingo. talvez por estar doente não quero parar de escrever textos que nunca acabam – quanto maior forem menos gente sabe que escrevo. e menos gente sabe que por detrás desta doença está o pior que há no homem: o egoísmo – sou egoísta. interesseiro. escrevo por mim. escrevo para ser feliz. escrevo para me sentir longe de todos aqueles que um dia passaram por mim e me disseram: bom dia. [qual bom dia. eu não quero um bom dia – quero raiva para poder dizer tudo que me faz falta. quero raiva para sobreviver ao pesadelo de uma morte que se repete dentro de mim. do funeral. das palavras da sagrada escritura. da cremação e das cinzas lançadas ao mar no meio de gargalhadas daqueles que. sem me lerem. foram capazes de saber que eu sempre fui louco por dizer coisas sem interesse para os que. de cabeça sã. sempre souberam apanhar o momento certo para o lugar certo – escrevo. não como vosso escravo nem como vosso dono. escrevo porque estou deserto e sempre que estou deserto sou feliz. não há nada para pensar nos desertos – todos aqueles que gostam de escrever sabem que só no deserto se é feliz. não há palavras. não há ideias. nem pessoas para me dizer: olha com atenção. ao fundo há um lugar certo que te espera e de lá poderás partir para onde quiseres] – chegou o homem de branco. e não traz pastilhas. talvez hoje eu esteja lúcido e as palavras não morram de loucura –