Na suave penumbra de meu quarto,
o meu corpo largado na cama
distende-se, enlanguescido,
no embalo de imagens que desfilam.
Pensamentos erráticos, difusos,
transportam-me para além de limites cravados...
Insubmissos, os meus sentidos brincam com a razão,
e os objetos do quarto, de olvidada habitualidade,
ocupam o espaço com detalhes
e formas nunca antes suspeitadas.
Os sons vários do entardecer se misturam;
repõem a calma que faltou ao dia,
e realizam em minha mente,
a noite que eu não vejo ainda;
estou, nesse instante, à espreita de...
Estalidos da porta de frente ao se abrir;
ouço vozes — é ela!
Agito-me apenas de leve na cama,
mas detenho o impulso de me levantar;
paro e me delicio com o timbre da sua voz
e a sonoridade que musica o fim
de cada frase que ela pronuncia — É ela sim!
E para atiçar a minha ansiedade,
fala com alguém que está na sala,
mas, sem perguntar por mim.
Nem é preciso que ela pergunte;
as pausas, as dissonâncias secas de sua voz,
asseguram-me: delicada que é,
ela remói a impaciência da espera.
Por instantes, sem que eu os veja,
estabelece-se um tácito acordo
de pressurosas modulações de voz,
pois somos três a esperar o desfecho:
a polidez de quem a recebe,
ela, e eu...
Mas há um prazer em prolongar a agonia;
eu permaneço imóvel, fruindo o momento;
saboreando, ao limite do gume,
a inefável sensação de me saber
objeto de um olhar interrogante que me busca
por sobre móveis e além das paredes.
A ansiedade vai ao auge e quebro a espera,
desço as escadas devagar e chego à sala.
Após um breve silêncio de mútua satisfação,
abre-se, fendido pelo brilho de nossos olhares,
o espaço, onde, ainda há pouco,
apenas nos situava a nossa imaginação.
Intercalados de breves suspiros,
fazemos a sala ansiosa ouvir:
— “Oi...”
— “Oi...”
No espaço entre esses sons,
sob o ritmo cúmplice de nossas vozes,
explodem, intensos, nossos eus doidos de desejo,
o prazer que os nossos corpos sabem antes!
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Outra revisitação da minha coletânea "Cavalos da Noite", ilustrada por Paula Baggio