CRÔNICA OU ARTIGO?...
Há muito anos, aprendi que crônica é uma Narração histórica por ordem cronológica, notícia comentada ou anedota em jornal. Tanto que as crônicas daquela época eram artigos que tinham um fim jocoso. Em alguma faculdades era dito “Não há necessariamente compromisso com temas da atualidade, como no caso dos artigos de opinião; o estilo é geralmente livre (literário) e isento de regras de estilo jornalístico; pode resultar numa coletânea de textos na forma de livro; geralmente é uma peça resultante do trabalho de criação do escritor; o tema é de livre escolha do autor, que assina sua produção”. Na Espanha se pronunciava Obra literária consistente em La recopilación de hechos históricos narrados em ordem cronológico No Brasil se destacavam vários cronistas, entre os quais Olavo Bilac, que ilustro com uma de suas
crônicas:
MENOR PERVESO
É este o título, com que aparece em todos os jornais a notícia de um caso triste, - uma criança de três anos assassinada por outra de dez, em condições que ainda não foram bem tiradas a limpo. Diz-se que o "menor perverso" ensopou em espírito de vinho as roupas da vítima e ateou-lhes fogo. Propositalmente? Parece impossível... Mas nada é impossível na vida.
O fato é que, consumado o seu ato de perversidade (ou de imprudência?) o pequeno fugiu, e andou vagando pelas ruas, até que, já tarde, exausto, banhado em lágrimas, foi encontrado na Praça da República e conduzido para uma delegacia policial. E os jornais, terminando a narração do caso triste, pedem quase todos, em quase unânime acordo de idéia e de expressão, que "se castigue esse precoce facínora, cujos instintos precisam ser refreados".
Que se castigue, como? Metendo-o na Correção? Mandando-o para o Acre? Fuzilando-o?
A ocasião é oportuna para mais uma vez se verificar quanto estamos mal aparelhados para atender às múltiplas necessidades da assistência social. Um criminoso de dez anos não é positivamente um criminoso... Se for verdade que esse menino conscientemente praticou a maldade de que é acusado, o nosso dever não é castigá-lo: é salvá-lo de si mesmo, dos seus maus instintos, das suas tendências para o exercício do mal. Como? Naturalmente, dando-lhe uma educação especial, certa disciplina de espírito. Mas onde? É aqui que surge a dificuldade, e é aqui que somos forçados a reconhecer que, se estamos muito adiantados em matéria de politicagem e parolagem, ainda estamos atrasadíssimos em matéria de verdadeira civilização...
Já sei que há por aí uma Escola Correcional. Mas, ainda há pouco tempo, o que se soube da vida íntima dessa escola serviu apenas para mostrar que, lá dentro, os pequenos maus, pelo vício da organização do estabelecimento, estão arriscados a ficar cada vez piores. Tudo quanto se refere à assistência pública ainda está por fazer no Brasil: asilos, escolas correcionais, penitenciárias, presídios, não têm fiscalização efetiva. Só pensamos nessas casas de beneficência ou de correção, quando um escândalo, dos que há dentro delas, faz explosão cá fora, comovendo-nos ou indignando-nos. Então, há uma grita convulso, um grande espalhafato, um grande dispêndio de artigos pelas folhas e de atividade pela polícia; mas, logo depois, tudo volta ao mesmo estado... À espera de novo escândalo.
Tive muita pena da pobre criança de três anos, morta no meio de horríveis torturas. Mas tenho também muita pena dessa outra criança, que uma brincadeira funesta (ou uma inconsciente moléstia moral, perfeitamente curável) levou à prática de um ato tão cruel. Nesse pequeno infeliz, que os jornais consideram um grande criminoso, há um homem que se vai perder, por nossa culpa, - porque não lhe podemos dar o tratamento que a sua enfermidade requer...
Existe narração história?... Fim jocoso?... Então não é uma crônica. É sim, se atentarmos porque ele faz
referência a notícias publicadas em vários jornais. Entretanto há muitos artigos intitulados de crônica que não atende os requisitos necessários para tais denominações. Mesmo em minha página aparece
dois artigos intitulados crônica, devido erro de colocação. Mais existem em outras páginas vários artigos com a intitulação de crônica. Alguns por desconhecimentos, outros, talvez por descuido. Luis Fernando Veríssimo. falando sobre crônica, terminou fazendo uma. Vejamos:
CRÔNICA E OVO
“A discussão sobre o que é, exatamente, crônica, é quase tão antiga quanto aquela sobre a genealogia da galinha. Se um texto é crônico, conto ou outra coisa interessa aos estudiosos de literatura, assim como se o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha, interessa aos zoólogos, geneticistas, historiadores e (suponho) o galo, mas não deve preocupar nem o produtor nem o consumidor. Nem a mim nem a você.
Eu me coloco na posição da galinha. Sem piadas, por favor. Duvido que a galinha tenha uma teoria sobre o ovo, ou, na hora de botá-lo, qualquer tipo de hesitação filosófica. Se tivesse, provavelmente não botaria o ovo. É de a sua natureza botar ovos, ela jamais se pergunta "Meu Deus, o que eu estou fazendo?”Da mesma forma o escritor diante do papel em branco (ou, hoje em dia, da tela limpa do computador) não pode ficar se policiando para só "botar! Textos que se enquadrem em alguma definição técnica de "crônica.
Há uma diferença entre o cronista e a galinha, além das óbvias (a galinha é menor e mais nervosa). Por uma questão funcional, o ovo tem sempre o mesmo formato, coincidentemente oval. O cronista também precisa respeitar certas convenções e limites, mas está livre para produzir seus ovos em qualquer formato. Nesta coleção, existem textos que são contos, outros que são paródias, outros que são puros exercícios de estilo ou simples anedotas e até alguns que se submetem ao conceito acadêmico de crônica. Ao contrário da galinha, podemos decidir se o ovo do dia será listado, fosforescente ou quadrado.
Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou ruim, não se é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes, mexidos... Você só precisa de um bom apetite."
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