Poemas : 

Fragmentos 5

 
Que saudade estava de escrever... Isso acaba se tornando um vício, não não; um hábito! Vícios manipulam, e não é bom.

“Bem, não é muito difícil imaginar que minha trajetória de moleque tinha chegado ao fim.
Adeus pipas, gudes, taco, bola... Minha mãe me colocou de castigo pelo resto da vida! Até passei a vestir uma blusa, o que não fiz até meus nove anos – a única coisa que diferençava entre mim e os meninos (fora o sexo) eram os cabelos compridos, no mais eu era igualzinha, em pensamentos e atitudes.
Vocês até devem estar a favor de minha mãe, porque aparentemente o seu perfil é de uma senhora indulgente... Doce ilusão! Minha velha era e ainda é braba mesmo; pra vocês terem uma idéia, ela guardava atrás da porta uma correia dentada, que era colocada em prática frequentemente...
Mas eu era malandra. Sempre que aprontava e via uma espécie de não querer querendo no olhar dela, fitava seus olhos; franzia a testa; fazia expressão de cachorro arrependido e olhava pro chão. Aquilo aniquilava qualquer sentimento mórbido que tivesse a meu respeito. Resumo: Era quem menos apanhava na casa! Hahaha!
Fiquei uma semana sem rua, aí a pergunta: Se meus pais trabalhavam e minha tia era um doce. Não era fácil então, burlar o castigo? – Nem tanto assim... Quando ela dava um castigo pra valer, todos na rua sabiam e este era o seu trunfo. Se saíssemos, de uma forma que nenhum de nós desconfiava, ela ficava sabendo – na minha cabeça até hoje, quem contava era a D L , uma velha rabugenta (dona de um quintal com as caramboleiras cujos frutos eram os mais doces que experimentara), ela odiava a todos nós.
Então, depois da semana aterradora, pude sair de casa. Mas, as coisas não eram as mesmas, os meninos sabiam que não podia mais brincar com eles e, assim, nem me chamavam. Isso magoou um pouco. Mas enfim, acabei descobrindo o que a G fazia em suas tardes, quando não estava com ela...
Um dia, estava sentada à frente do portão da casa de minha tia, quando ela veio perguntando se não queria andar de bicicleta - Eu não andava de bicicleta, porque quando estava aprendendo, fomos passear na ilha de Paquetá, com suas famosas bicicletas de aluguel, o fato é que me empurraram da ladeira lateral ao parque e fiquei toda ralada, tendo que ir ao posto e receber uma antitetânica. Isso me deixou traumatizada, eu não suporto dor, até hoje sou assim... Então abandonei a magrela, por achá-la extremamente perigosa – Ela propôs então carregar-me na garupa.
Mesmo com receio, a vontade de fazer alguma coisa era maior, brincar de boneca e panelinha com minha irmã, nem pensar! Era melhor correr risco de morte.
Antes de empreendermos ao passeio, ela me ensinou a piscar e a fazer psiu - psiu! Morria de rir porque não conseguia piscar com um olho só – a minha coordenação motora era muito boa, afinal, eu era uma atleta das ruas, mas os músculos oculares não me atendiam – piscava os dois olhos ao mesmo tempo. Então, ela desistiu e saímos assim mesmo.
Ela gostava de passear em frente aos quartéis, então entendi: o que me ensinava, eram verdadeiras táticas de guerra! Os rapazes, que tiravam serviço nas guaritas, eram bombardeados por seus psiu-psius e seus pisca-piscas. Mas eles não faziam nada, afinal não podiam sair de seus postos. Da garupa, observava suas paqueras e achava ridícula a situação, mas fazer o que? Experimentava a liberdade do novo, e até que estava se tornando um laboratório divertido. E, além disso, não eram os moleques da rua, eram rapazes interessantes.
Tinha então uns dez anos nessa época...”

Não é mais noite, então, até amanhã, menino.



Snapelouz


 
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Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 22/07/2011 17:21  Atualizado: 22/07/2011 17:21
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 Re: Fragmentos 5
Boa tarde, seu relato é instigante, MJ.