A mulher que vem da estátua
Esculpida com ancestrais mãos
Em corpo etéreo
Com mares nos seios
De desejos perenes
Junto água e flores
Na rota do gozo
De navegar sem bússola
E naufragar de desejo em flor
Eu colo o desejo
No jardim suspenso do prazer
E na tua rosa pressinto laivos faíscantes de loucura
De entrega
De abandono e dádiva na face da lua
Agora é já ouro
Realizado ouro
No templo do alquimista
Os olhos no mais alto do sol
O amarelo mirífico do desejo
Depois do sol
A noite é ouro novo onde eu renasço
Tomo a lua de amarelos intermitentes
Pinto com a canção dos loucos
A imagem feminina
Uma tela livre
Livre em todos os quatros elementos
O fogo por dentro da terra
O ar por dentro do mar
Agora estou ausente
Estou fechado por dentro
Assim é a estátua de pedra pura
Viva pelo toque de magos poderes
Fechada por dentro do próprio segredo
Inexpugnável
Como quase um blindado corpo
E no entanto alcança o movimento
Move-se pela subtil força
Do encontro predestinado
Tenho a chave
Julgo ter a chave
Estou fechado por dentro
Nas mãos um único poder abandonado
Abrir o mundo
Dar vida á estátua
O sal cresce por dentro da casa
E eu não gosto do poder
Eu não gosto de poderes outorgados
Deixem-me apenas ter poder
Para não poder mais nada
Soltem os cães dos sentidos sobre mim
E deixem-me
Lasso
Balouçando
De choque frontal
Caído na sarjeta
Nada de mentiras piedosas
Estou farto
Eu sei
Eu vejo
Ainda posso discernir
A estátua
A mulher
Sentada no mar
No centro do mundo
Jogo o jogo das palavras sucessivas
Noite
Lua
Ouro do campo amarelo de flores
Com cheiros de sexo ou castidades
E a estátua sorri
Entendem célere
A minha incapacidade em tocar na figura de pedra
Não serei o escolhido escultor
Perdi o tempo
Minhas mãos são de sal
De sal ao sol do dia quente
Minhas mãos são de sal desfeito
Se eu cerrasse os olhos
Com a força do peso do mundo
Como quem morre de tudo ter visto
Se eu cerrasse os olhos
Cessava o sal de me invadir
Destino é nada ver de olhos abertos
E ser de sal e da permanente ausência do mundo
Mas se estivesse fechado por fora
Se ousassem fechar-me a porta
Como numa prisão dos Homens
Jamais saberia ser
Como a saber se pode ser prisioneiro
Só eu posso ser o carcereiro de mim próprio
Com as chaves nas mãos desfeitas
Ou a chave errada nas mãos inúteis
Fecho-me por dentro se quiser
Se quiser ando fechado no meio do mundo
Na forja deito a ideia em metal
Incandescente
Moldando a chave
Eu falo para mim
Eu falo por mim
Pergunto e respondo
Para que serve uma chave sem as mãos de saber abrir
Para que serve a cabeça com a boca de sorriso por haver
Para que serve um olhar sem olhos de reflectir
A estátua sorri agora
Na clareira do bosque
Sob o sol lilás
Com o mar laranja aos pés
Livre por ela própria
Livre por ser mulher
Dionísio Dinis