“A nova escola era diferente da anterior, a estrutura era de uma casa de família com cômodos espaçosos, que foram transformados em salas de aula. Dirigida por um casal que não tinha filhos e mais duas professoras.
Comecei lá cursando a segunda série (lembra? A escola anterior faliu.); os meninos eram estranhos, não me deixavam chegar perto, e não foi fácil pra mim que era um moleque me adaptar.
A única vez que me deixaram brincar com eles, foi por interesse: eu tinha uma lata grande de bolinhas de gude, os olhos cobiçosos não viam à hora de me rapar tudo; naquele dia perdi todas as esperanças de novos amigos, voltei com as minhas e mais umas trinta; chorei o caminho de volta pra casa. Meu irmão me disse mais tarde que eu deveria deixar os garotos ganharem de vez em quando, assim sempre que tivesse uma partida nova, talvez, eles me deixassem jogar; eu tinha ferido o orgulho deles – quando crescem não são diferentes, às vezes, devemos deixar pensarem estar ganhando, para fazerem o que queremos.
Já as meninas, viviam de suspender as saias e passar batom no banheiro, o que não adiantava nada, porque o tio R mandava abaixar as saias e limpar a boca, se eu fizesse aquilo, iria ser bem diferente, porque eu podia até respeitar os mais velhos, mas, quando fazia uma coisa não voltava a trás nunca. Mas até então não pensava em saias ou batons...
As minhas tardes eram divididas: quando chegava a casa, antes do almoço, assistia ao final de Hanna-Barbera – ‘Não existe nada mais antigo, do que cowboy que dá cem tiros de uma vez, a avó da gente há de ter saudades do Zing! Pow! Do cinto de inutilidades. No nosso mundo tudo é novo e colorido, não há lugar pra essa gente que já era...’ Amava ouvir aquela música e cantava junto!
O trato era o seguinte: chegávamos, almoçávamos, fazíamos o dever da escola e depois íamos para a casa de nossa tia, duas depois da nossa. Lá permanecíamos até que nossos pais chegassem. Minha tia era um verdadeiro docinho, e não via mal em nada, por isso, sempre que pretendíamos fazer alguma coisa, perguntávamos primeiro.
Agora, com a presença da G, dividia o meu tempo restante entre os meninos e ela. Lembro que ficava bem dividida, pois achava interessantes suas histórias de beijos e sarros atrás do colégio. Foi ela que introduziu o ‘Pêra, uva, maçã ou salada-mista?’ na rua, mas achava todos os meninos de lá uns bobos, dizia que era mais pra passar o tempo.
Em outubro, de um ano qualquer, escutamos falar do Halloween, que acontecia nos Eua, e resolvemos fazer uma travessura.
No fim da rua passava uma galeria, e como ela ainda não era asfaltada, a galeria ficava a céu aberto; ali era escuro à noite e havia muito mato e capim alto, mas os adultos puseram uma táboa e assim as pessoas cortavam caminho para a rua de trás, sem ter que dar a volta no quarteirão, pretendíamos assustar os mais corajosos.
Meus pais chegavam sempre por volta das oito, mas a gente ficava na rua até umas nove, assim, eles tomavam banho e relaxavam um pouco antes de nos por pra dentro de casa.
Nesse dia eles ainda não haviam chegado, mas estava tão doida para por o plano em prática, que quanto mais cedo começássemos, melhor: um lençol branco, uma corda frouxa no pescoço presa a outra que passava pelos braços por baixo das axilas e muito mercúrio cromo espalhado por todo o meu rosto e lençol – tinha que ser eu, era a menor e mais leve para ser levantada pela corda que passava pelo tronco mais alto do abacateiro do fim da rua e abaixada rapidamente quando alguém aparecesse pelo corta-caminho. A impressão que dava era de uma pessoa enforcada!
Chegara à hora. Todos se esconderam, alguns ficaram disfarçando uma conversa para não despertar suspeitas. Via a figura de uma mulher. Desceram-me rapidamente como o planejado. Ela gritou. Desmaiou. Ninguém riu. Por quê? “Era a minha mãe...””
Boa noite menino.