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Os barcos (Thiago de Mello)

 
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Os barcos nascem como nascem dores.
E chegam como pássaros ao céu,
como flores do chão. São mensageiros.
Vêm na crista dos astros, vêm de ventres
por onde rolam rastros de cantigas
de antigas barcarolas estaleiras.
Trazem na proa audácias e esperanças,
as cismas e os assombros nos porões.

A mão que os faz, humana, os não perfaz,
apenas segue, tímida, ao comando
de vozes nascituras que lhe chegam
da boca dos martelos e das ripas.
A si mesmos se fazem, pelo mando
de voz sem boca: os barcos são auroras.
Despejam-se na foz de águas escuras.
Contudo, chegam sempre de manhã.

Chegam antes, alguns. Outros são póstumos.
Há os que não chegam nunca: naufragaram
nas primícias do rio. Tantos mastros
se vergam na chegada, outros se racham.
Partem-se popas, lemes, em pelejas
imaginárias contra calmarias.
Uns são velozes, zarpam mal-chegados,
outros são lerdos, de hélices sem sonhos.

Há barcaças nascidas para as idas
ao oco dos mistérios, há as que trazem
lendas futuras presas ao convés,
as que guardam nos remos os roteiros
de grandes descobertas e as que vêm
para vingar galeras soçobradas.
Há as que já chegam velhas, sem navego.

O mar, sempre desperto, espreita e espera
a todos, e de todos se acrescenta.
Para barcos se fez o mar amargo
e fundo, sobretudo se fez verde.
O mar nem sempre os quer. O mar se tranca
frequentemente a barcos, e os roteiros
marítimos se encantam em lajedos,
estraçalhando quilhas e calados.

O coração das caravelas viaja
desfraldado nos mastros, invisível
bandeira também bússola. Altaneiro,
ele surpreende, quando manso, as rotas
que se desenham longes sobre o mar.
Sextante é o coração, que escuta estrelas,
que antes de erguer as âncoras demora-se
em concílio amoroso com os ventos.

O coração comanda. Manda e segue.
E, à sua voz, os barcos obedecem
e avançam, confiantes, pois dos mastros
as velas vão surgindo, vão crescendo
como cresce uma folha de palmeira,
às manobras da brisa sempre dóceis.
De caminhos de barcos sabe o mar.
Os ventos é que sabem dos destinos.

©Thiago de Mello In, Poemas Preferidos
pelo autor e seus leitores, 2001.

Imagem: Claude MONET, Três barcos de pesca.
 
Autor
AjAraujo
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/07/2011 12:56  Atualizado: 11/07/2011 12:56
 Re: Os barcos (Thiago de Mello)
Poeta amazonense... realmente um poeta que escreve com a alma e a sensibilidade nas mãos... é lindo esse poema, parabéns pela escolha, abraços poeta.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/07/2011 16:08  Atualizado: 11/07/2011 16:08
 Re: Os barcos (Thiago de Mello)
um encanto de poema deixo meu abraço.

martisns


Enviado por Tópico
MarySSantos
Publicado: 23/06/2014 12:32  Atualizado: 23/06/2014 12:32
Usuário desde: 06/06/2012
Localidade: Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5848
 Re: Os barcos (Thiago de Mello)
Belo mesmo. agradeço a partilha.

abraço

Mary.S


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/06/2014 14:02  Atualizado: 23/06/2014 14:02
 Re: Os barcos (Thiago de Mello)
Bonito, muito bonito!

Grata pela partilha!

Anggela