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Os Outros (Inocência)

 
Os Outros (Inocência)
 
Nesta perspectiva invertida, é-me claro que não lhe seria possível estar mais longe de tudo isto. Invariavelmente não poderia, pois no seu machismo naturalmente casmurro, fora para isso que nascera. É uma criatura bizarra, no mínimo, transpira copioso uma aura passivo-agressiva, as suas frontes estão anormalmente dilatadas para as laterais, enquanto bate os pés numa impaciência cinzenta e frenética.

A poucos pés de intervalo, junto à impoluta banca, mármore pontilhado de gradientes dicromáticos, a fêmea aparenta permanecer tão cristalizada quanto a superfície onde apoia as mãos crispadas de surda melancolia. Parece o seu oposto, indubitavelmente. Os músculos faciais, distendidos e irregularmente ruborizados, capturados no espaço e tempo como uma pintura renascentista, apenas os seus olhos rolam, graciosos, nos humores oculares abundantes; numa tentativa frenética de capturar um qualquer ponto além da manta bicolor à sua frente. É de uma beleza triste, conquanto, vê-la reflectida nas vidraças é extasiante.

Entretanto, passeando-se distraída e irresponsavelmente, o seu homem encaminha-se para a penumbra do corredor, sala, o silêncio, segue no seu encalço, atrapalhando-lhe os passos, tal qual um cachorro ansioso. Deixa-se cair, fardo, de gestos pesados, no sofá desalinhado, a escuridão fustigando-lhe a percepção visual num nevão de pontilhados semi-transparentes, até que por fim adormeçe.

Na cozinha rectangular, tomada por um certo desalento, reúne as suas mais íntimas forças, para que, pelo menos, possa colocar a modesta refeição, fumegante e rescendente, no centro da mesa; enfrentando analogamente a cerração que residia no corredor

"O jantar está na..."

e a frase tomba-lhe desfragmentada no chão, no momento que a pronuncia, ao perfilar o vulto que inspira

expira
inspira
expira
inspira

fundo, adormecido, entercortado, na adorável capinha rosa, braços longitudinais ao peito ondulante.
E aí estacou

ficou
permaneceu

até que a vontade lhe doer roçando os limites finitos do suportável, mas não mais que o vazio que a gasta nesse dia; e é através de passos alienados que se conduz ao andar superior, para também

finalmente
aflitivamente
profundamente
adormecer.

No limiar da luz trémula que banhava os degraus empoeirados, a criança recolhia o polegar em saliva, e oferecia a lágrima mais salgada que tinha ao ar frio da casa.

 
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MEduarda
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/07/2011 08:58  Atualizado: 09/07/2011 08:58
 Re: Os Outros (Inocência)
È um talento nato poetisa.

Sabe o que se sente a admirar arte? Então palavras são desnecessárias

Beijo azul

Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 09/07/2011 12:24  Atualizado: 09/07/2011 12:24
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Mensagens: 10200
 Re: Os Outros (Inocência)
Bom dia MEduarda, você escreveu uma peça teatral com três personagens distintos, um homem rude e desprezível, uma mulher submissa e insípida, e uma criança desorientada em meio a este casal de fantasmas, parabens pelo seu instigante poema, MJ.