Na noite profunda,
deixa-me existir
como os loucos em nuvens,
como os cegos em flores.
Na profunda noite,
deixa-me chorar
sobre os rios convulsos.
Na noite profunda,
deixa-me cair
entre os céus impotentes.
Na profunda noite,
deixa-me morrer
como um pássaro inábil.
Na noite profunda.
Quem vai nos recordar
na noite profunda?
Pensamento tão gasto,
amor sem milagre
na profunda noite.
Os amigos se extinguem.
Deixa-me sofrer
na profunda noite.
Ó mãos separadas
que ninguém reconhece
na profunda noite.
Na noite profunda,
deixa para sempre,
deixa agonizar
solitário meu rosto,
na noite profunda,
na profunda noite
que a memória levar.
Cecília Meireles, poetisa brasileira.