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Além, onde as fronteiras terminam e os caminhos se apagam... (Octavio Paz)

 
Tags:  AjAraujo    poeta humanista  
 
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Além, onde as fronteiras terminam e os caminhos se apagam. Onde o silêncio começa.

Além, avanço lentamente e povoo a noite com estrelas, com palavras, com a respiração de uma água remota que me espera onde a madrugada começa.

Invento a véspera, a noite, o dia seguinte que se ergue do seu leito de pedra e com olhos límpidos percorre um mundo penosamente sonhado.

Sustenho a árvore, a nuvem, a rocha, o mar, pressentimento de felicidade, invenções que desmaiam e vacilam perante a luz que se desagrega.

Depois , a serra árida, o casario de argila, a realidade minuciosa de um charco e de um pirú ingênuo, de um bando de crianças idiotas que me apedrejam, de um povo rancoroso que me estigmatiza. Eu invento o terror, a esperança, o meio-dia, – pai dos delírios solares, das falácias brilhantes, das mulheres que castram os seus amantes de uma hora.

Invento a queimadura e o uivo, as masturbações nas latrinas, as visões das estrumeiras, a prisão, o piolho e o cancro, a briga por causa de uma sopa, a denúncia, os animais viscosos, os contatos ignóbeis, os interrogatórios noturnos, o exame de consciência, o juiz, a vítima, a testemunha. Tu és esses três.

A quem apelar agora? E que astúcia poderá destruir aquele que te acusa? Inúteis, os memoriais, os ais e as alegações. Inútil bater às portas emparedadas. Não há portas, há espelhos. Inútil fechar os olhos ou voltar para o meio dos homens: esta lucidez já não me abandona.

Romperei os espelhos, rasgarei em pedaços a minha imagem – que em cada manhã restaura amorosamente o meu cúmplice e o meu informante.

A solidão da consciência e a consciência da solidão, o dia a pão e a água, a noite sem água. Secura, campo arrasado por um sol sem pálpebras, olho atroz, ó consciência, presente puro, onde o passado e o futuro ardem sem brilho nem esperança. Tudo desemboca nesta eternidade, que nunca desemboca.

Além, onde os caminhos se apagam, onde o silêncio acaba, invento o desespero, a consciência que me concebe, a mão que me desenha, o olho que me descobre.

Invento o amigo que me inventa, meu semelhante; e a mulher, meu adversário: torre que semeio com bandeiras, muralha que as minhas ondas de espuma escalam, cidade devastada que renasce lentamente sob o domínio dos meus olhos.

Contra o silêncio e o ruído invento a palavra, liberdade que se inventa e me inventa em cada dia.

Octavio Paz Lozano (1914-1998) foi um poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu o Nobel de Literatura de 1990.
 
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AjAraujo
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Enviado por Tópico
Dhione
Publicado: 04/07/2011 22:29  Atualizado: 04/07/2011 22:29
Muito Participativo
Usuário desde: 13/09/2009
Localidade: Fatima do Sul/MS
Mensagens: 84
 Re: Irmandade (Octávio Paz)
Poema simples
porém faz-me crer
que tu és mais um belo verso.

LINDO-PARABÉNS


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/07/2011 10:50  Atualizado: 05/07/2011 10:50
 Re: Irmandade (Octávio Paz)
Octavio Paz Lozano (Cidade do México, 31 de Março de 1914 — Cidade do México, 19 de Abril de 1998) foi um poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, notabilizado, principalmente, por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia moderna ou de vanguarda. Recebeu o Nobel de Literatura de 1990.(Wikipédia)

Será sempre bom lembrar e não deixar dúvidas sobre a autoria dos textos. O meu aplauso e agradecimento a AjAraujo por trazer até nós esta figura maior da poesia universal.

Abraços