Quantos adjetivos cabem na existência de uma mulher?
Não falo daquelas existências vis… ocas.
Falo cá de existência plena… de jogar-se na vida… largamente!!
Quantos adjetivos cabem?
Louca, inconsequente, humanista – poetisa…
A outra, a amante, a “quente” - sonhadora…
A mãe, a virgem, a pura, a mulher de casa - esposa…
A mulher da noite, a bêbada, a solitária, a complicada, a estranha – utópica…
A amiga, a flor delicada, o colibri, a borboleta –ternura…
Silêncio. Não quero ser nada disto. Às vezes sim. Mas só às vezes.
A insensível, a frígida, a monótona, a anti-social – solidão…
Quantos adjetivos cabem a uma mulher intensa?
Estive a pensar sobre isto quando, depois de longos anos a escrever…
Nunca dei-me nome nenhum… Imagina! … Não neste sentido.
Mas… já dei-me alguns. Com raiva e lúcida.
Mas nada agradável que valha a pena expor. Para quem lê. Não para mim.
Hoje estou com raiva.
Sempre necessitamos de adjetivos. Estamos sempre a “rotular”.
Ando farta disto. Temos esta necessidade quase involuntária… meu Deus!
Não uso técnicas para escrever… nenhuma.
Aliás, pouco as conheço. Nem gostaria de as ter que conhecer. Mas as necessito.
Se é para se ter um rótulo… melhor que seja menos desagradável.
Mas temo que este feito usurpe-me a concentração no sentimento do momento…
Da liberdade que há entre os meus pensamentos e a ponta da minha caneta.
Seria o meu fim. Ou será que há um fim para mim… que nem comecei?
Minha pausa, minha estrofe, minha “sei lá o que”… vem da minha respiração.
Do que sinto… das batidas sempre descompassadas quando escrevo.
Às vezes fico aflita… nada me vem.
Mas também posso estar em qualquer lugar… nos afazeres mais pitorescos…
E ela me vem… pronta e ansiosa como noiva para o altar. Apressadíssima por sair de mim.
Eu a obedeço. Sigo lentamente até a minha caneta e bloco.
Sento-me… respiro. E apenas a escrevo.
Ela já estava pronta! … Dentro dos atropelos de mim...
Antes mesmo de eu iniciá-la no meu modesto bloquinho.
Sou desorganizada mesmo assim. Não tenho caderninhos de flores ou borboletas.
Escrevo num guardanapo, num papel de mercado… Depende da hora do sentir.
Uma vez estraguei um documento. Me veio o poema e eu só tinha aquele papel.
A bolsa… naquele dia, tão desarrumada quanto a vida.
Claro… não sabia tratar-se de um documento.
Ele estava tão branquinho…de costas para mim…
Eu nunca desejei com tanto ardor uma simples ponta de lápis… Urgente!!
Então…
Quantos adjetivos cabem numa mulher intensa?
Nas suas atitudes do cotidano… na sua “mulherificação”?
Em mim?... Cabem todos e nenhum – depende do meu dia.
Posso permití-los. Posso até desejá-los.
Mas prefiro a minha essência. Esta é permanente.
Os adjetivos?... Tão levianos e passageiros…
Eles são como os amores de verão… ou como o rancor entre irmãos.
Tantas vezes, mentiras sobre nós... Mesmo que bonitas mentiras…
Os adjetivos… são todos uma mentira.
Há apenas a nossa essência… só nossa e leve como uma pluma.
Ou densa e rápida… como fumaça de cigarro. Efêmera. Depende.
Os adjetivos ficam “pregados”. Estáticos. Não são livres.
Eu sou.
Karla Mello
karla.melo66@hotmail.com"Nao tenho ambições nem desejos. Ser poeta nao e uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho." (Fernando Pessoa)