Tem dias que me acompanha, acaricia-me com hálito de brisa marítima que me vem beijar de manhã quando abro a janela do meu quarto, entra a luz, o azul do céu e o cheiro salgado da maresia que avisto até onde não distingo se é mar, se é céu se é a minha visão a pregar-me partidas por entre a névoa da manhã. E propaga-se a incerteza pelo resto da manhã, envolta em mistérios, aconchega-me e enternece-me enquanto conduzo, sussurra-me ao ouvido e deixo-me levar pelo canto dela até onde a mente alcança, até onde não distingo se é real ou imaginário o que sinto e oiço.
O dia lamenta-se na exacta proporção do esforço do motor nas ruas e vielas do entroncamento em que se tornou e ela sempre ali, na minha pendura, sorrio-lhe… Às vezes num surto de Alzheimer esqueço-lhe o nome, pergunto-lho em voz delico-doce que mais não faz que enfurecê-la e cai-me em cima num ímpeto negro travestida de noite, numa lua sem luar. Atinge-me com a força de um manto negro debruado a estrelas que acesas não têm auréola. Sinto-lhe o perdão quando à noite extenuado e alquebrado faço ranger as molas do colchão em busca de um som que me alivie. É então que me abraça, sem me dizer nada… fico assim de olhos fechados só sentindo o longo abraço, um afago que não posso chamar quente mas frio também não é e juntos com o silêncio fazemo-nos trio, ás vezes infantil e jogamos o que ela divertida me pede ao ouvido fazendo-me rir, outras atrevida enche os espaços vazios da minha cama num doce remanso de cio acumulado. Dá me a mão quando adormeço, oferece-me o dorso para me aconchegar e promete-me manhãs de maresia, segreda-me que amanhã vai ser melhor… E fico assim envolto no mais puro som do silêncio.
E neste momento, não lhe sei de novo o nome…
Amanhã, vou-lhe só chamar querida… Boa Noite.