Senhor, que és o céu e a terra,
Que és a vida e a morte!
O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas
E o nosso amor és tu também.
Onde nada está tu habitas
E onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar.
Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra,
Ouvidos para te ouvir no vento e no mar,
E meios para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu.
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
Nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos.
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos
E servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da tua presença.
Meu corpo seja digno da terra, tua cama.
Minha alma possa aparecer diante de ti
Como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol,
Para que eu te possa adorar em mim;
E torna-me puro como a lua,
Para que eu te possa rezar em mim;
E torna-me claro como o dia
Para que eu te possa ver sempre em mim
E rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.
(Fernando Pessoa em "O Eu Profundo". 1912(?)).