Oiço a tua voz como os sussuros de uma vontade de morte de um passado já longe. Ouvi-la agora mata-me, come-me saber que as palavras que proferes não passam senão de memórias.
Tenho tanto medo destes momentos de solidão, pois são nestes momentos em que as memórias me atacam, as lágrimas se decidem libertar e queimar-me o rosto com vestígios do que já não é nada senão momentos incógnitos, perdidos num tempo morto.
Tento pensar em algo que me possa tirar daqui, algo que me ensine os passos em frente e me desvie os caminhos do passado. Mas parece que o destino já se encarregou disso, de me afastar do que em tempos tão singulares, era simplesmente perfeito.
Foste. Deixei-te ir e contigo levaste-me inocência.
Era contigo que me perdia no mais profundo de mim que nunca cheguei a compreender completamente. Era por ti que deixava o mundo dos pecados e me perdia num poder mágico que me envolvia como uma manto quente. Era nos teus olhos que me fixava quando necessitava de conforto, era no teu sorriso que me apoiava quando as pedras me esfolavam os joelhos, eram as tuas palavras que me faziam ver o caminho e era a tua voz que me trazia as estrelas e me dava a conhecer o céu.
Deitada agora sobre o colçhão, afundo-me cada vez mais.
Estou a cair e não tenho onde me amparar.
Detesto reviver aquilo ao qual chamamos de memórias, que chegam sempre que o silêncio envolve o quarto e a solidão me sussura ao ouvido, pois são essas memórias que me preenchem o meu peito quando a solidão o deixa vazio. Enche-o de tal forma que me faz cair, cair num monte de sentimentos que renego e mando embora, mas nunca eles aprenderam a respeitar as minhas ordens, os meus quereres, muito menos os meus pensamentos. São neles onde eles se instalam.
Passo os dias a procurar estar ocupada de algo que me faça pensar em tudo menos no que passou, nas memórias felizes que me trazem lágrimas à face. Quando finalmente paro e me deixo cair sobre a cama, aparecem vindas de "não sei onde", atacam-me, quando mais indefesa estou.
Há quem diga que o tempo cura tudo. Não podia estar mais certo, não podia estar mais errado. Foste com o tempo, que me secou as lágrimas constantes e me zelou no silêncio. Acabaram-se as tuas vindas e as tuas idas constantes à minha cabeça. Agora afasto-te, procuro-te longe da minha mente, dos meus pensamentos e especialmente do meu coração, mas quando chegas, é para ficar, até eu fechar os olhos e desaparecer entre os sonhos. Lá me esperas também com uma mala em cada uma das mãos. Uma com tudo aquilo que passámos, outra cheia de nada.
Ainda me lembro de quando me dizias palavras tontas, mas que entendias perfeitamente. Tinhamos a nossas própria linguagem, por vezes sem palavras.
Ainda me visitas os sonhos, os sítios mais profundos de mim que pensei perdidos.
Por vezes desejo-te aqui, por vezes espero apenas esquecer-te. Não te odeio, não te ressinto, respeito-te, mas não somente. Amo-te como nunca ninguém amei. Foste por uma força maior, levaste uma parte de mim e deixaste outra de ti, que me assombra todas as noites com sorrisos lindos, com letras das canções que costumávamos cantar juntos.
Mas não o mostro, pois ainda tenho medo de o sentir.
Tenho medo da palavra "amar" porque logo se reunem na minha mente as letras do teu nome.
Queria-te aqui, mais do que tudo.
Mas hoje estás longe, agora já foste. E se foste, que levasses tudo contigo, as memórias, os momentos.
Enfim...o passado.
Laura Justino
LAURA JUSTINO