Amor, observo-te
Enquanto empurras mais um bebé para fora de ti,
Despejando a tua vida, os teus anos, os teus olhos
De mocidade, em esforços desmedidos e resignados.
Sabes, sinto-me velho, quando te vejo assim,
Empurrando crianças, sinto as horas que puxam,
As rugas que já não se desprendem da cara,
Os cabelos que já não voltam, enquanto tu
Empurras bebés pela porta fora, pela calçada,
Os meus cabelos deixam-me, apanhados por pombas
De jardim, e tu empurrando bebés pela rua abaixo,
Até ao rio, e os meus cabelos voam, livres,
Com as pombas, deixando-me as rugas secas na cara,
Tu a empurrares bebés já adultos para fora de ti,
E eu, velho, a voar com os meus cabelos pelos telhados da cidade,
E tu a empurrares o mundo, num esforço resignado, para fora de ti.
Sabes, quando te vejo assim, velha por dentro,
Vestida de anos que ainda não chegaram, sinto pena dos dias
Que vão crescer sem ti, pena dos dias que virão sem o teu sorriso,
E tu, sempre com o fingimento da boca que mente felicidade,
Empurras o mundo, empurras a vida para fora de ti, até seres um eco,
E eu, mesmo velho, apanhando cabelos que voam, trago-te pombas,
Pombas velhas como eu, pombas que te poisam nos cabelos brancos,
Pombas que te beijam, pombas que te amam, pombas que tu já não vês,
Cega de idade e de solidão, mas que sentes no oco dos teus braços.
Amor, quando te vejo assim, quero abraçar-te até sermos um,
Até deixarmos os cabelos velhos em bancos de jardim
E juntos voar sobre os telhados, brilhando ao sol.
--HP
"O espaço onde pertenço está definido algures
Numa palavra que eu ainda não sonhei"