A vida vai passando,
não tão lentamente como desejaria;
Os cabelos brancos aumentam,
deixando adivinhar o começo
do fim;
Na verdade, as etapas vão-se cumprindo,
numa sucessão de momentos felizes,
ansiedade,
busca de coisas novas,
sonhos que não chegaram a acordar;
De tudo guardo um pouco,
para tentar construir um sentido
que me possa dar tranquilidade
ao espírito;
Se algumas coisas pude viver,
outras não passaram de meras
expectativas frustadas;
Se algumas vezes me senti rodeado
de calor humano,
em outras me afundei
na mais profunda solidão;
E quando tudo parecia não ter
mais sentido,
sempre consegui algo novo
que me ajudasse a iluminar
o caminho;
Caminho... cruzado...
onde me cruzei com luzes
de esperança
e trevas marcadas
pela derrota;
Caminho... confuso...
de ida sem parecer ter volta,
de volta sem nunca ter partido;
Caminho... vazio...
de tudo o que ficou
por fazer;
Caminho... concreto...
bem longe do imaginário
de sonhos vividos
a sós;
A vida vai passando...
rapidamente,
com dias de certezas - ontem
com dias de talvez - amanhã
já que Hoje
é o meu poema concreto,
confuso, talvez... vazio;
A vida vai passando...
não sem que tempo e espaço
se reunam
para acolher a lágrima
que teima em sair
quando, ao olhar para trás,
já não me vejo
num banco de jardim
olhando as flores
que a Primavera viu nascer;
E, em pleno Outono,
não minto,
pois sinto a solidão
duma nuvem negra
que, teimosamente, quer escurecer
os meus ainda vivos sonhos;
Mas os sonhos são parte
integrante
do meu Ser,
mesmo sendo tão cruel
quando me levam
o que de mais belo possuem:
- a ilusão de um momento,
ainda que breve,
de obter no concreto
o que planeei no imaginário
do meu mundo de jogos
de solitária entrega;
Talvez por isso
com ou sem nuvens,
com ou sem solidão,
ainda que sofra,
entrego-me,
sem reservas,
ao que de mais belo a vida tem
- a vivência de um sonho
concreto,
onde o único medo real
é o de me dizerem,
friamente,
que estou a perturbar
o sono de Mim próprio;
A vida vai passando...
Ontem, já nasceu
Hoje, ainda vive
Amanhã, talvez
- não sei;
Só uma certeza me envolve
- não renuncio...
só uma forma de estar
me mantém vivo
- sonhando...
E assim, tranquilamente,
os meus cabelos brancos
dormem no regaço dos sonhos,
que me acolhe
e aceita
tal como sou;
A vida vai passando...
mas ainda não aprendi
a despertar;
Sob a capa feita de desilusões
continuo a não querer ver
a distância que me separa
do que penso ter
tão perto;
Aquilo que sou...
os sonhos...
a fantasia...
o sofrimento real...
a indiferença que me rodeia...
o pesadelo que me acorda!
Acorda?
Não, pois continuo preso
à liberdade de viver
sonhos acorrentados
que só para mim têm sentido;
A confusão cresce
sempre que quero
... mudar;
A dor alastra
sempre que quero
...esquecer;
A tristeza invade-me
sempre que me quero
... afastar;
E depois,
quando quero mudar,
quando quero esquecer,
quando me afasto,
dão-me um sinal,
alertam-me,
chamam-me,
e eu...
já não mudo
já não esqueço,
volto,
volto sempre,
mas continuo
sozinho,
como sempre estive,
a viver novamente num mundo
onde a realidade se alimenta
do que é cruelmente
real;
Sonhos...
solidão...
espera...
em união perfeita numa tarde
longa
... de vazio
vazio feito do Tudo
que compus
ao som das palavras
que não ouvi;
Vazio feito do Nada
que me deram
quando estendi a mão
na direcção errada
do que escolhi;
Não sei se eu próprio sou
o que fiz
nem sei se quero
o que sou,
ao viver longe do que quero
perto,
ao viver perto
do que sinto
longe;
A tarde vai longa...
e o desespero apodera-se
das últimas réstias
de luz,
deixando no ar a sensação
do inacabado,
do não vivido,
como se a noite
fizesse parte
integrante
de um passado longínquo
perdido no outro lado
do Tempo;
Sonhos...
solidão...
espera...
tarde longa
de desejos
que, mesmo assim,
ainda vivo,
pois não esqueço,
não quero esquecer,
que a noite pode trazer
no seu manto
o encanto
do calor julgado arrefecido
pelos sonhos, de passagem.
.
"A ausência só é efectiva quando a presença nos é, ou foi, indiferente" (Ajota)