Crónicas : 

Ser adulto é uma seca

 
Às vezes pergunto-me se é de mim ou se aos outros também lhes acontece estar, quando contrariados, num determinado sítio onde é suposto estar por inteiro, ou seja: com a cabeça e o corpo e não apenas o corpo como tendencialmente, e quase sempre acaba por acontecer.
É inevitável. A cabeça não obedece ao corpo e à primeira distracção, lá vai ela num bater de asas para outro lado qualquer bem mais interessante do que aquele onde acaba de abandonar o corpo à sua pobre sorte. Ali fica ele, indefeso, de meter dó, à mercê das investidas de terceiros interessados em saber coisas e loisas que não nos apetece responder. E como a cabeça se ausenta, o mais certo é responder com um ligeiro e desinteressado aceno da mesma acompanhado de um sorriso amarelo.
Os outros esperam de nós determinados e criteriosos comportamentos, rigorosamente inspeccionados e severamente punidos se não obedecerem aos padrões em vigor. Portanto, qualquer deslize que não se enquadre entre o que se acha ser o correcto, o irrepreensível e respeitoso, será decerto motivo de reprovação por parte dos parceiros da tribo.
São esses os mesmos que passam a exigir, mal se mete o pé nessa instituição que é o esmagador e imponente mundo dos adultos. Como se de repente o cérebro desse um clic e passasse de um estado para outro e para o qual havia sido programado, rejeitando qualquer atitude menos própria, habitualmente só tolerada nos anteriores estados em que o indivíduo ainda não tivesse atingido a maioridade.
Coisas como ir a um velório de algum parente afastado que só se conhecia de ouvir falar, e passar o tempo todo com uma súbita e enorme vontade de rir daquelas que não se explica nem se contém, agravada ainda com a chegada de outros veladores igualmente mortinhos de riso ao se depararem por telepatia, com o que a nossa criadora e imaginativa mente fabricou em torno do defunto... via-se perfeitamente no músculo da cara, de lado junto ao queixo, que palpitava insubordinado, mas que por serem grandes eram obrigados a aguentar disfarçando o mais que podiam, ou então, o ar autoritário que é preciso fazer para mostrar a um petiz teimoso quem é que manda afinal, quando este quer porque quer brincar com a pista dos comboios que fazem pouca-terra-pouca-terra e passam a apitar cheios de pressa, na hora de ir para a cama. Mas o que realmente lhe estava a apetecer era ser ele mesmo a estar ali, no lugar daquele petiz que o chama de pai, a medir forças com os adultos e a ver até onde é que podia ir.
É uma chatice ser adulto e agir como tal quando na verdade se não percebe bem o porquê de estar ali a fingir que se cresceu!


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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Enviado por Tópico
Mariaa
Publicado: 03/06/2011 23:21  Atualizado: 03/06/2011 23:21
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Usuário desde: 23/08/2009
Localidade: Braga
Mensagens: 2621
 Re: Ser adulto é uma seca
Por isso é que eu sou uma eterna criança
e queria viver num mundo sem tantas regras
e a outra menina fazer uma loura trança
e voar no azul livre de nuvens negras,
só uma claridade tão, tão ofuscante
que de mim fizesse uma poetisa errante,
e depois te encontrasse no caminho
e te visse feliz como uma menina
de chapéu a andar num cavalinho
com uma doirada e imponente crina!

N BEIJOS, MIL ABRAÇOS SIDERAIS, CORRENTES DE ENERGIAS POSITIVAS E TUDO, TUDO DE BOM DA AMIGA AO DISPOR,
Maria«*+*» «*+*»