Eis me cercado por sombras e fotos antigas
Dentro de uma madrugada insolúvel
De um lado o desejo, do outro a tristeza
De ver o fogo apagado, a chama extinta,
A porta fechada, o beijo negado.
As recordações fuçam como ratos famintos
Alguns conseguem furar meu crânio
E devoram parte da minha existência
Do que eu sou a madrugada consome
O que resta? Talvez um homem.
Extraio do peito um veneno atroz
Na intenção de calar um desejo torto
Mas a cada vez que me ouço a voz
Sussurra-me do além a voz de um morto
Cerrou a madrugada a sua madre
Para que nenhum verso fertilize a musa
E nenhum poeta manifeste a sua dor
Porém esqueceu que às palavras
É dado o poder da imortalidade
E aos poetas o sentimento do amor
Eis me cercado por antigos troféus
E modorrentas criaturas
Que seguram a madrugada
Com guardanapos de seda
Transformando-a em uma grande sepultura.
Alude a alma ao canto sereno
Da última estrela que morreu
Prepara a cama com lençol vermelho
Para que o canto do galo
Sepulte de vez na manhã
Esta madrugada doída.CANTO DA MADRUGADA