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Fala do velho do restelo ao astronauta (José Saramago)

 
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.

Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.

E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.


José Saramago, In: OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição
 
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AjAraujo
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