Textos : 

dualismo em oposição

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


podem pensar que estou louco por escrever isto. não estou. estou apenas cansado de me falar – nunca me respondo – o outro. o que vive comigo. nada me diz. calou-se cansado com o meu tempo – pensa que estou desmiolado e. sempre que quero dizer coisas estranhas. vira-me as costas. pensa que são coisas inúteis. ocas. fúteis. sem futuro. sem terra. sem braços entrelaçados – estou cansado – habitamos dentro do mesmo corpo. partilhamos os lençóis. os cristais presos aos aros das janelas. a luz do tecto. os ponteiros de um relógio ausente. os pesadelos que sobrevivem agarrados à almofada. a cadeira onde escrevo. preta. alta. gasta pelo roçar das dores que fazem escrita. partilhamos tudo. tudo menos os sorrisos. estes são sempre do outro que me olha com desdém. desapruma a face enquanto as feições tomam a forma de troça – no fundo. bem lá pelo fundo. somos tempo. somos contraposição silenciosa: não sou. não vivo. não falo. não respiro. estamos no mesmo tempo. vivemos. respiramos. falamos. e olhamos para coisas diferentes com olhos iguais – um dia sonho eu outro sonha ele. um dia tenho mau dormir outro dorme ele mal. nunca temos uma noite inteira. estamos sempre desacertados. nascemos desacertados. um quer trazer os sonhos para dentro de si. o outro quer levar o que sonha para a vida – não nos entendemos – não há forma de resolver isto. não há. não há tempos. há apenas um tempo para o mesmo olhar – escrevo. escrevo para não estar só. sempre que estou só escrevo - o outro olha-me a escrever. sabe que estou a escrever. sabe que não estou só. sabe que não estou com ele. sabe que estou a escrever para não estar só e para não estar com ele
 
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sampaiorego
 
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