Prosas Poéticas : 

A CIGANA ZAMORA

 
A cigana Zamora


Numa manhã de sol, de céu azul lindo com flocos de brancas nuvens. Na praia, ainda deserta, o mar enviava as suas ondas lamberem a areia, tal como a preparar a casa para o lindo dia. O verde da vegetação nativa, as folhas dos coqueiros balançadas pelos ventos e o cantar dos pássaros, as vozes de muitos animais, denunciando a vida.
Pessoas começaram a se mostrar fora das casas. Para os nativos era só mais um dia na rotina do pequeno povoado.
Eu já havia despertado com os primeiros sinais da natureza, pois dormira na rede armada em dois coqueiros. Nem preciso dizer do espetáculo que assisti antes de adormecer. Mas comento: aquele céu que eu vi, de um azul profundamente escuro e bordado de estrelas com aquela lua aureolada, iluminando todo o meu palco. O mar estava um colosso, espalhando em si o brilho da lua nas suas águas agitadas.
Mas ali estava eu, ainda na rede e cheio de preguiça pra sair dela. Ficaria por bem mais tempo, se não fosse o cheiro gostoso vindo do fogão de lenha, onde preparava um delicioso cuscuz e aipim com caldo de galinha ao molho pardo mais o irresistível café .
Pus-me a andar pela praia, pisando a areia dura da beira do mar, sentindo as carícias das finas lâminas d’água espumadas me lambendo os pés. Não muito distante e nem tanto tempo transcorrido, o ar se enchia de vozes e cantos. Havia por perto um acampamento de ciganos recém chegados ao povoado.
Mas quantas moças bonitas! Parecendo lindas bonecas vivas dentro dos seus vestidos rodados e compridos, encobrindo verdadeiros mananciais de belezas. A mesma cor de pele, morena, bronzeada. Os olhos de uma cor castanho-claro, translúcidos e de muito brilho. Todas se pareciam com aqueles cabelos compridos até à cintura e algumas cabeleiras onduladas...Maravilha de cenário!
O bando parecia obedecer algum ritual, pois aos passantes se propunha a ler suas mãos, a troco de qualquer valor que estivesse disponível.
Eu já passei por isso e ouvi um monte de mentiras ditas veementemente com a força de impor a crença.
Estranhamente em lugar mais distante vislumbrei a silhueta de uma mulher, uma cigana desgarrada do bando. Bateu-me uma vontade de me aproximar e conversar para saber o porquê daquele afastamento ou isolamento das demais.
À medida que me aproximava ia entendendo o porquê. Mas isso aumentou a minha curiosidade. Cheguei perto, bem próximo e fui fitado por profundos olhos negros moldados por faces sulcadas pelo tempo. Compridos cabelos prateados lhe davam o toque de passado. Seu corpo esguio ainda mantinha acentuadas linhas e seus músculos não mostravam flacidez.
Bom dia – murmurei para ela e lhe estendi a mão, para um cumprimento.
Ela nada disse. Limitou-se a sorrir levemente, mas me deixando ver lindos dentes, mas não me tomou a mão.
Vim, porque me deu vontade de lhe falar, de lhe conhecer – disse-lhe.
É. Eu sei. E eu estava lhe esperando – disse-me ela, deixando-me ainda mais intrigado. E você me conhece? – Indaguei e ela me respondeu: Talvez. Isto poderá saber agora...
Sentamo-nos na areia, à sombra dos coqueiros. Ela me olhava nos olhos e falava pausadamente, sem me tomar a mão. Eu ficava somente a ouvir o que ela dizia, porque a mim só estava sendo dito e nada perguntado. Mas afinal, saber era mesmo o que eu queria.
-Você continua o mesmo, querido... Tem atravessado os tempos e pouco tem mudado. Tem vivido no compasso da evolução do tempo, do progresso e das invenções, mas continua o mesmo... Sempre esteve buscando a perfeição nas coisas que faz e nem abandona o que é da sua responsabilidade. Continua o mesmo apressado e, muitas vezes intolerante com as pessoas...Busca refúgio na natureza, nas águas e no verde sempre que se sente sob a pressão do mundo em que vive... Saiba que as pessoas não são iguais. Podem até se parecer em muitos aspectos, mão não são iguais! Você continua querendo viver o máximo no mínimo de tempo. É verdade que não se devem desperdiçar oportunidades...Mas quem sabe qual oportunidade deve ser aproveitada? Continua sendo reticente quando se trata de acreditar em terceiros. Poucos são e serão sempre os que lhe inspirarão confiança...Você pode até nem falar, mas no íntimo faz o seu julgamento. O seu senso de defesa tem-se mantido em alerta, por isso tem medido conseqüências, devido as experiências vividas.

Minha voz ficou entalada na garganta. Não tinha como interromper tudo o quanto estava ouvindo. Aquela mulher me conhecia melhor do que eu a mim mesmo. E eu estava sentindo uma sensação gostosa em todo meu ser e o ar parecia ser todo perfume de rosas, de uma fragrância suave..

Levantou-se e gentilmente curvou-se para mim, beijando-me os olhos e a testa, dizendo-me: Deus te abençoe e conserve, meu filho!
Senti minha cabeça rodar e meu corpo pareceu flutuar num túnel de luzes intermitentes. Passada essa sensação, abri os olhos...Estava só...O lugar onde eu estava sentado era um só, pedaço de um tronco tombado.Mas eu lembro bem quando ela me disse chamar-se ZAMORA!


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22/11/2002
JWMACEDO

 
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JWMacedo
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