não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
ontem gostava de me ter dado por acabado. gostava de me ter posto um fim. gostava de me ter posto um “the end” – não é possível. ainda tenho uma cidade. uma multidão de olhos que me reconhece e que com lábios afogueados me diz:
• bom dia;
• que bom rever-te;
• não envelheces;
• estás na mesma;
• sempre jovem;
• os anos não passam por ti;
• qual é o segredo;
• quando foi a última vez que falámos;
• estou feliz por voltar a ver-te;
• estás sempre igual;
• tinha saudades tuas;
• bons tempos aqueles;
• parece que foi ontem;
• foste importante;
• nem imaginas a alegria;
• eras bom rapaz;
• malandrote;
• vi-te no facebook;
• não tens desculpa.
há um espaço de tempo aberto no cimento. ainda há quem reconheça o rosto. ainda há saudade. ainda há as férias grandes. ainda há liceu. ainda há namoradas. ainda há carros. ainda há noitadas. ainda há palavras ditas. ainda há palavras guardadas. ainda há abraços. ainda há juras eternas. ainda há esperança. ainda há tempo dentro do tempo todo – ainda há. há. há e há. ainda há tanta coisa – quero uma cidade vazia. uma cidade onde não haja ninguém - não quero. o dia seguinte. igual ao de hoje. não quero – quero um mar. com gaivotas. com vento norte. quero uma sarronca a dizer que o sol vai desaparecer – ainda estou aqui. só me resta o sonho – sonho com uma cidade desigual. indiferente aos nomes. uma cadeira virada a sul. abrigada do vento norte e no ombro a minha gaivota cinza – um dia partiremos os dois com o mesmo vento. sorrindo para o tempo que já não é tempo