Profanem-me
Nomeiem-me como o mais impuro dos homens
Lapidem-me no esconjuro de todas as pragas
Amortalhem-me em fervente cal
E quem dera que a sorte dos ventos faça um certo norte
No desnorte das vossas instáveis naus
Quem dera que sangrando eterna e desmedidamente
Por mim sangrando
Seja mais verde e frutuosa a vossa árvore
E a ave tenha artes novas de voar
E a ave faça o voo na plena demanda dos vossos recalcados sonhos
E toda a aridez dos solos se faça oásis em vosso deleite
E se for azul o vosso desejo
Que seja sempre o firmamento a tela assim colorida
Que sejam sempre os nascentes e poentes
Fontes de cor que vossos olhos ansiarem
Assestem-me com dardos e zagaias
Dilacerem-me
Sepultem-me na lava do mais bravo vulcão
E quem dera que em cinzas pulverizado
Disperso ao vento beijando terras e mares
Seja a ínfima e perniciosa partícula
Ausente do vosso respirar
O resto de mim esquecido nas lonjuras
Em distância segura do vosso espaço íntimo de pureza
Quem dera que sendo já esquecido na memória
Das coisas e dos lugares -que da memória das gentes nunca ocupei lugar –
Quem dera que sendo o exímio derrotado
O barco triunfalmente naufragado
Quem dera que partindo
Floresçam mil sóis em vossos olhos
Quem dera
Quem me dera ao deus dará perdido em desérticos ou glaciares infernos
Quem me dera já ser apenas a boca trincando a fome
Ser apenas o autófago coração fragmentado
Ser sem nada ter e nada valer
Quem dera que assim se cumprisse a fortuna alheia
Quem dera saber e já sem poder ver
Quem dera que assim partindo
Vos seja de proveito o proveitoso da vida
Dionísio Dinis