Havendo falta de melhor nome, pois não é coisa que possa ser facilmente percebida e por isso mesmo nomeada, chamemos-lhe apenas Joana. Tem contornos de gente, mas nunca foi concebida e, como tal, muito menos parida. Inventada talvez, não se sabe muito bem por quem, nem como, nem onde, mas que existe, existe, embora essa história da existência seja um outro caso a ponderar.
Dizia eu que essa Joana tem contornos de gente, mas é antes traço, silhueta em fundo escuro, como que aura fosforescente. Uma espécie de molde oco, daqueles que se usam para escortanhar pedaços de massa fresca, que no forno darão bolacha. Mas não é possível trincar a Joana, nem tocar-lhe com mão humana, pois toda ela é sobrenatural, surreal, volátil e sei lá que mais. Alguns afirmam tê-la visto, através de nesgas de portas, ao fundo de corredores compridos e até no reflexo de espelhos contra espelhos, escondida nas espirais infinitas de um outro tempo. Aparece sem nunca ser chamada, só quando é pensada sem querer, pelos distraídos, pelos sonhadores, pelos que esperam encontrar o impossível em cada esquina, mas que não sabem procurar esse impossível de tão cegos andam com o que julgam ser vida.
Os que alguma vez a viram, à tal Joana, dizem a meia-voz aos ouvidos dos dispostos a ouvir, que quando aparece, por entre as sombras do desejo escondido, se lhe nota bem no meio do peito um ponto brilhante, um fogo fátuo, uma chama de vela já com o pavio curto e que é, certamente, a porta de um túnel sem fim que leva a um estranho local onde se encontram todas as paixões, as boas e as más. Falam sem saber, claro! Porque nunca nenhum deles, nunca nenhum dos que assim opinam julgando tudo conhecer, tudo adivinhar, se atreveu a mergulhar no peito de Joana.
Por entre nesgas de portas e em reflexos de espelhos, sempre vaga, sempre feita de contornos de sombra ao fundo de longos corredores, Joana não é um fantasma, nem uma aparição divina. Ela, se que de uma ela se trata, dado que pensamento e desejo não conhecem género, é tão somente a entrada para um espaço onde, mais tarde ou mais cedo, todos se irão encontrar frente a frente consigo próprios.