Entrou no quarto de costas para o espelho. Sentou-se no chão e começou a escrever coisas num pedaço de papel com tanta sofreguidão que chegou a arranhar o assoalho. Não percebeu que não havia mais tinta em sua caneta, suas mãos transpiravam tanto a ponto de molhar a folha. Levantou-se dobrando o papel rasgado e colocou no bolso da calça jeans. Não ousava mais encarar o seu reflexo. Olhava para sua figura numa tela esquecida no canto do quarto e dava um sorriso de alívio. Com um lençol branco cobriu o espelho fixando o olhar no chão. Assustou-se com a campainha tocando, mas ignorou, voltando imediatamente aos seus pensamentos. Caminhou silenciosamente até o banheiro onde já havia outro espelho coberto por uma toalha de rosto. Permaneceu por quinze minutos a lavar as mãos, até que sentiu a alma limpa. Preparou um jantar para dois e arrumou a mesa de forma impecável. Voltou a lavar as mãos e acendeu um incenso de morango. Deu um suspiro enquanto acompanhava o desenho que a fina fumaça fazia no ar. Voltou ao quarto, pegou o quadro e pendurou na parede da sala. Dois pratos, duas taças de vinho. Sentou-se só e saboreou a comida ainda quente. O outro prato esperava, enquanto o convidado esfriava no chão, perto da porta. Levantou-se de súbito e lavou as mãos. Novamente. Até sentir a alma limpa.