Todo mundo sabia: ele estava morrendo. Mesmo antes de ser diagnosticado, ele já estava morrendo. Eu sei pelo sorriso, que já não tinha tanta cor, e pela voz, que era fraca e quase ninguém ouvia. Ele passava despercebido pelas pessoas, e isso, antes, nunca havia acontecido. Aonde ia, carregava consigo olhares de admiração. É claro, havia também olhares de despeito, mas esses sempre foram ignorados.
Ele era forte, não se deixava abalar por bobagens, e quando brigava, fazia logo as pazes porque achava um saco dormir sozinho. Ele era bom. Bom não, ele era ótimo, e sabia disso, mas não era prepotente. Sabia rir de si mesmo, sabia assumir os próprios erros, e sabia a melhor forma de consertá-los. Eu não conseguia ficar longe dele muito tempo, e quando não tinha jeito, era a saudade que me consolava. A saudade dele, digo. A garantia de que ele me aceitaria de volta.
Depois de um tempo, entretanto, ele não tinha mais energia pra sentir saudade. Eu precisava estar sempre lá, cuidando dele, fazendo carinho, afagando-lhe o ego. É que ele já não confiava na própria força, e estava sempre pensando em desistir. Eu dizia que não – ainda é cedo – nós vamos viver muitas coisas juntos ainda! Ele estava cansado, mas forçava um sorriso assim mesmo. Não queria me magoar.
Quando me disseram o que estava acontecendo (porque são sempre os outros que enxergam melhor), eu chorei. Não que não tivesse chorado antes, eu chorava todos os dias. Mas nesse dia meu choro foi consciente. Lembrei-me daquelas pessoas nos hospitais, com aqueles tubos saindo pela garganta, entrando pelo nariz, agulhas enfiadas nas veias. E só então compreendi: eu era a máquina que o mantinha vivo. Mas a que custo? Ele já não era saudável, o nosso amor, e sofria por ter falhado na missão de ser eterno. Você já havia desistido dele fazia tempo, enquanto eu o mantive comigo por egoísmo, sem perceber como era desgastante aquela luta.
No fim, deixei que ele partisse. E restou apenas a lembrança de quando o amor era vivo e nós tão felizes.