Chegamos ao fim da mortal era,
Em, que se fez grande o pequeno.
Foram tempos de grande quimera
De um império que se quis eterno…
Mas o mundo é uma roda viva,
Não pára jamais. O tempo novo
Liberta toda a casa cativa;
Liberta o subjugado povo.
Um povo de meros pescadores
Deu tantos mundos ao mundo;
Passou por magnânimos temores
Navegando pelo mar profundo.
O reino cresceu e fez-se império.
Espalhou sua fala, nome e fé.
Levou todo o seu poder régio
Ao mundo, em nome Daquele que É.
Europa, Ásia e América
Unidas sob a mesma bandeira.
Do mundo foi a nação mais rica,
Aquela qu’ uniu a Terra inteira.
Mas o fim do tempo apareceu,
Pouco a pouco perdeu o seu poder.
A revolução surgiu sob o céu
E a liberdade teve de ceder
Aos povos que por ela clamavam.
Vieram os tempos das vis guerras,
Não só as que mil milhões matavam,
Mas também as que as suas serras
Tentavam manter. A força perdeu,
O império caiu, p’rá não mais
Se levantar. Agarrados ao seu
Passado perderam-se as reais
Gentes que durante cinquent’ anos
Lutaram p’ra manter o passado.
E mesmo co’o rasgar dos seus panos,
Lutaram p’ra tornear seu Fado.
Mas já era tarde! O seu mundo
Já não era o mesmo. Outros povos
Tinham feito do rei vagabundo
E eram eles que mundos novos
Davam ao velho que fora nosso…
Tudo perderam. Adormecidos
Vimos do nosso castelo o fosso
Conquistado por enegrecidos
Sentimentos de pura revolta.
O império demos por nada
P’ra casa voltámos co’uma ‘scolta
Militar. Fomos nação roubada
P’los próprios que que nos regiam.
Foi co’o sangue do povo sofrente
Que’os mais covardes enriqueciam,
Ficando com tudo o que tinham p’la frente.
Ficámos pequenos, tão pequenos
Que ninguém nos dava importância,
E ganhámos fama de serenos,
De não ligarmos à infâmia.
Enquanto qu’ os outros só por riqueza
Se iam matando mutuamente;
Eles perdiam sua pureza
Morrendo os jovens rapidamente.
Fugiram para as montanhas,
Protegendo-se em suas verduras.
Clamavam apoio de ‘stranhas
Pessoas, clamavam p’los seus curas.
Mas ninguém ‘scutou seu sentido
Choro. Ninguém ouviu este povo
Que chorava no mato ‘scondido,
Quebrado como a casca d’um ovo.
Mas resistiu o povo. A pomba
Voava sobre a sua cabeça
E nem sequer co’a força da bomba
Deixou ele de ser ‘ma só peça.
E foi grande! Maior qu’os maiores!
Gritou alto, fez-se ouvir longe.
Lutou ‘té que os mundanos senhores
Viram que algo havia de monge
No qu’ este povo sofria
E decidiram dar-lhe uma hipótese:
Depressa viria o seu dia,
Que havia já quem por ele reze.
Foram os senhores importantes,
Armados em donos deste mundo.
Juntaram como negociantes
Os assassinos ao vagabundo;
Deixaram o lobo cuidar das galinhas
E, quando ganhou a liberdade,
Foram lidas suas entrelinhas
E começou toda a mortandade.
A festa ‘primida foi inferno.
Tudo ardeu em centenas de chamas.
E assim no inicio do inverno
Tinha o povo folhas para camas.
Mas o povo não baixou os braços
E, sem lutar, fez frente aos terríveis
Assassinos que, a todos os passos,
Matavam inocentes. Terríveis
Foram aqueles dias sofridos:
Por darem a vontade morrem,
Ficam os corpos ali ‘stendidos,
Todos morrem do mais velho ao jovem.
Um autêntico banho de sangue
Provocado pelo ferro e fogo.
A juventude ficou exague
E o sonho quase perdeu no jogo…
Mas o sonho é mais forte que a morte
E mesmo privados dos queridos
Entes, não se privaram do norte
E conseguiram não ser ‘squecidos.
Foi no topo das suas montanhas
Que viram as colunas de fumo
E no céu viram nuvens mui ‘stranhas,
Que choravam o mais vital sumo.
Viram a igreja saqueada;
Os heróis mortos à catana.
Viram sua nação chacinada
Às ordens do vizinho sacana.
Viram a prontidão deste mundo,
Pedindo licença aos assassinos
P’ra acabar co’o mais vil e profundo
Acto feito contra seus meninos.
Mas, da ‘scuridão fez-se afinal luz!
A final solução não foi final.
Libertado foi ‘quele qu’os conduz,
Dos céus veio o desejado sinal:
Choveu arroz! Choveu novo maná
Qu’ alimentou o povo fugido.
Fez-se alto, do leão, o rugido
E, das cinzas, a nação nascerá,
Qual Fénix mítica, irá nascer
Um novo país, herança nossa.
Mas é a honra somente vossa,
Pois souberam ‘sperar e não morrer.
Quase no final do ‘ltimo ano,
Uma outra pedra foi retirada
Do império. Caiu o pano
Da nossa remota enseada.
Com dor ouviu-se cantar o hino
E viu-se a bandeira lentamente
Descer. Ficou o mundo num pino.
Assim findou tudo, de repente.
E os nossos irmãos de séculos,
Passaram p’ra outra família.
Foi feito o maior dos ‘spectáculos:
O terminus da Lusitânia!
Mas fechamos co’uma chave d’ ouro
O grand’ império que criámos.
A outros demos nosso tesouro,
Ficando apenas co’os secos ramos
Da velha oliveira da glória.
Olhai pois para o nosso passado,
Vede que nunca fomos lâmia
P’ro mundo por nós encontrado.
Navegamos, mui longe chegámos.
Novos mundos foram descobertos
Por nós. P’lo infinito lutámos,
Mas todos recebemos co’ abertos
Braços. Este é o nosso sentido
De vida: ter tudo p’ra tudo dar;
Abraçar o sentimento ido
Que nos fez navegar por todo o mar.
Mas agora, na hora do adeus,
Vemos o quanto tudo nos custou.
Um povo p’ra sempre temente a Deus,
Que em nome Dele sempre lutou,
Entrega ‘gora as suas igrejas
A povos que nada sabem delas,
‘Sperando que palavras cerejas
Não sejam. Aos pares, sempre belas.
Não tenham sido ‘penas ilusão
Todas as promessas então feitas.
Esperamos que seja leve a mão
Que ‘screveu ‘quelas linhas perfeitas.
Apagaram-se os erros do passado,
Mas as manchas de sangue ficam lá.
Vivem as duas lado a lado,
A ‘sperança e a dor dos sofrentes já.
Vendeu-se tudo, ‘té a gloria.
O que não se vendeu, então deu-se!
Por contar ficou a história,
Dos mortos a contagem perdeu-se.
Acabou o império. Findou
A luta dos Heróis do Nobre Mar.
O povo ilustre qu’ este mundo navegou,
Um movo mundo deve ele encontrar!
A todos vós, passados, presentes
E futuros povos, nossos irmãos:
Semeai hoje as novas sementes
Das plantas que nos farão dar as mãos.
31.12.99