Poemas : 

[O Mau Cheiro daqueles Gritos]

 
[Tudo é muito, muito trivial... but, who cares?]

Nesta manhã de Penas do Desterro, ouço gritos... voz forte, rouca, dizendo coisas incompreensíveis, seja pela distância ou pela mistura com ecos... Gritos, sim, mas gritos sem cheiro, perfeitamente inodoros!

Naquela manhã da Cidade Perfeita... gritos, imprecações confusas que chegavam até a casa, trazidas pelo vento que soprava sobre a Triparia fedorenta. Vez enquanto, uma, uma palavra apenas soava clara, um xingamento, mas logo se misturava com outras, numa algaravia de gritos. Conjugavam-se no vento, ou pelo vento, os gritos e o mau cheiro daquele lugar excomungado. Lugar onde homens tiravam o seu sustento daquela atividade nauseante de lidar com vísceras ainda quentes...

Agora, surge-me esta conjugação [inodora, é claro!] de tempos disjuntos. A contiguidade das visões é realizada e garantida apenas pela mente. Que eu escreva sobre essa conjuração das ideias é apenas o resultado de eu ter uma consciência aguda, cortante, dilacerante da vida, ou antes, do modo absurdo de vida de algumas pessoas, e quase nunca, da minha própria vida — quem é que se considera abjeto... senão aquele dotado de uma consciência excessivamente penetrante?

E por que diabos estamos condenados a nos infligir certos danos, certas feridas de efeito retardado? Atitudes, atos de que não nos damos conta senão muito mais tarde, quando o dano já é irreversível? Algum truque de nossa consciência, do nosso modo de apreender os fatos do mundo?!

E o pior é que, no entanto, às vezes, abre-se um clarão que nos mostra a cena, o porvir: temos consciência desta ou daquela nossa atitude como danosa, antes a nós do que a outrem, e ainda assim, agimos...

Eu não podia imaginar, naquela dobra do tempo, que o mau cheiro daqueles gritos vindos daquela maldita Triparia, teria o lugar que tem agora em minhas lembranças, e que poderia me dar náuseas, por uma espécie de teletransporte! Distante uns 500 ou 600 metros da Triparia, eu ficava lá, ouvindo... podia ir embora, mas não, eu ficava... compulsão que eu não explico.

Estamos, com bem diisse alguém, na Era Pós-Trevas Modernas. Assim, disponho desta janela de autoanálise, de confissões gritadas ao escuro da Grande Rede... Agora que eu escrevi, quem sabe tenha algum alívio... tentarei escrever menos.


[Penas do Desterro, 22 de março de 2011]


 
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crstopa
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