Era uma vez uma cegonha
Que não sabia como voar.
Num passado de pleno azar
Tentou faze-lo, mas com vergonha
Caiu nas pedras duras do chão
E quebrou a asa que, partida
A prende àquela terra perdida
Sem poder voar na vastidão
Do ‘spaço como as irmãs
Que todos os anos vê voando,
No céu por cima dela passando.
Vê passar todas as cegonhas sãs,
Nas ela, presa na superfície,
Desta terra nas não as acompanha
São co’os olhos. É ‘stranha
Dentro da sua própria ‘specie!
Apesar de tudo teve sorte
E pelo povo foi adoptada.
E por todos é sempre tratada,
Tendo ‘scapado assim da morte.
Baptizaram-ma como Joana,
A cegonha que não voava.
E Joana entre eles andava
Por todos os dias da semana.
Peixe num balde ela comia;
Andava majestosa na rua;
Orgulhosa a penugem sua
Limpava, sempre, todo o dia.
Tinha mesmo gostos pessoais!
Era dócil para quem gostava,
Quem não gostava ameaçava,
Afastando-os co’os seus sinais.
Tornou-se um ex-libris da cidade;
Um vivo quadro daquela gente;
Um grande orgulho sempre presente,
Que a distância deixa saudade.
Quando morrer haverá luto,
Por toda a cidade se chorará.
Um sentido suspiro se ouvirá
Do mais idoso e do mais puto,
De todos aqueles habitantes
Que se lembrarão dos instantes
Em que Joana a cegonha viveu,
Entre um povo que sempre a recebeu.
Barroselas 30.04.1995