Madalena e Patrícia frequentavam assiduamente as salas de tertúlias de poesia e filosofia.
Madalena tinha por hábito entrar na sala de poesia, de forma discreta, passo lento, postura inclinada, procurando sempre a última cadeira que estava livre, de modo a ficar despercebida, porque julgava-se introvertida. Em público, apresentava-se esbelta, de cabelos longos e olhos castanhos, cujo rosto deixava esconder algumas carências afectivas, que despertavam a atenção de todos os frequentadores das salas nocturnas.
A outra, a Patrícia, era muito jovem e extravagante; vestia-se de finos tecidos transparentes, de cores fortes, que deixavam ver a nudez de seu peito. Também era esbelta, de lábios húmidos e carnudos, cor do morango, que de sensuais faziam crescer água na boca aos mais distraídos. Sua cabeça, que era redonda, vestia-se de finos cabelos loiros, curtos, assemelhava-se a uma lua cheia a brilhar no meio de todo o frenesim dos frequentadores de tertúlias. Patrícia, enquanto dialogava com seu grupo de amigos, não deixava de dirigir seu olhar para Madalena, que permanecia triste no seu isolamento. Ela observava-a demoradamente, com o desejo intenso de invasão à sua intimidade.
Sem mais hesitação, Patrícia que era desavergonhada e desembaraçada, aproximou-se de Madalena; pediu autorização para se sentar a seu lado e começou a falar de si e explicar a razão de estar a frequentar aquele espaço. Madalena ficou muito receptiva e após terem-se despido de todos os preconceitos, ambas ficaram amigas. Passaram a frequentar os mesmos lugares de divertimento e desfrutarem das mesmas brincadeiras e alegrias, até que num belo dia elas decidiram fazer vida em comum.
Madalena e Patrícia eram de personalidades opostas: a primeira era introvertida e a segunda extrovertida; mas adoravam-se e não conseguiam conceber que algum dia se pudessem separar. Seus passeios nocturnos prolongavam-se pela noite dentro, sem pressa de chegar ao destino, onde o mar namora o rio que o recebe no seu seio, na romântica marginal da foz do Rio Douro. Elas sentiam a maresia que lhes entrava pelas narinas, e os seus olhares penetravam no luar, a ver o mar onde, nos seus horizontes, os barcos dormiam sobre seu extenso leito, permanecendo cintilantes a sinalizar sua presença.
Durante a noite que estava tranquila, havia um quarto, despido de móveis, com uma larga vidraça, sem cortinas, virada para o rio, por onde irradiava luz, iluminando a três paredes brancas, aonde se tem a sensação de estar a dormir ao ar livre. Por felicidade, Madalena e Patrícia, passaram a habitar aquele romântico quarto, onde, despidas, estavam estendidas num aveludado leito, colocado sobre o soalho a brilhar de verniz. Elas admiravam-se incessantemente, mediante seus olhares doces, como setas ardentes plenas paixão, que trespassavam as paredes latentes das suas intimidades. Seus corpos durante toda a noite enrolavam-se em carícias meigas que, embriagados, descobriam-se em sensações inimagináveis e inesquecíveis, cujas testemunhas eram as estrelas e algumas gaivotas que por ali planavam. No interior do quarto exalava um perfume de rosas selvagens, que extasiava os corpos angélicos e inocentes, de estarem a cometer o pecado original, do saborear das delícias carnais.
Depois do nevoeiro, surge o céu azul deslumbrante; de uma e de outra, através da sua nudez, emergem as misérias do corpo e do espírito: Madalena era lésbica e a Patrícia divorciada. Cada uma escondia a sua condição de vida, amargurada, mas nada fazia diminuir ou enfraquecer a empatia que uma tinha para com a outra. Assim se uniram e se fizeram felizes, neste mundo onde também as suas vidas cabem e se valorizam, na paz e amor, sentido cada uma à sua maneira, o seu corpo levitar.
Manuel Lucas