Camarada,
Como o prometido é devido, sobretudo quando o tempo passa e nada se diz, eis-me, pois, a dizer, melhor: a escrever; o que penso sobre o teu livro, assim, cá vai:
Há uma curiosa oscilação entre o tal ritmo de jazz que em tempos identifiquei (ou com que me identifiquei), por vezes entremeado com o blues, que contamina a tua área poética. Diversos exercícios musicais criam uma atmosfera pródiga no teu desempenho poético o qual, aliado à capacidade de gerar imagens, como se fossem pequenas histórias ou ambientes, por palavras nos dá algo que é, sem dúvida, significativo para o desvelar da visão do poeta e que o leitor colhe ou reconfigura.
Depois, as múltiplas referências a figuras que pertencem à memória comum. E, de novo, a América, melhor: os Estados Unidos da América; se o jazz e o blues aí criaram as suas raízes mais conhecidas, Whitman ou Wayne aí se tornaram poeta e actor, respectivamente, ícones dos palcos onde se movimentavam.
Gostei de ler este “Histórias do Deserto”, porque o deserto, na aridez, para ser mais concreto, no silêncio, e o deserto é a sua imagem mais perfeita, desprovida da capacidade de olhar, mas possuidor de oásis, onde a palavra nidifica e o poeta, porque na prosa de ficção o poeta é mais do que visível entre o concreto, o quotidiano, ei-lo capaz de fazer da palavra comum a palavra metamorfoseada, porque sabe recolher e reconfigurar, não para usufruto próprio, a não ser o de catarse, mas essa (talvez) disfarçada entre derivações de sujeito, mas para a fruição alheia.
Continuação de bom trabalho, um abraço,
Xavier Zarco