Assim se conta uma história, digo eu que aconteceu, há muitos, muitos anos atrás.
Aconteceu numa esbelta vila rodeada de montanhas, onde se via a neve acariciando os picos engrumes. que quase tocavam o azul celeste.
Lá... no silêncio das árvores centenárias, havia uma fonte de água pura e límpida, como as lágrimas inocentes de uma criança
A água deslizava do cume dos montes e corria num riacho por entre as pedras, desaguando na fonte que hidratava a vila.
Todos os dias, ouvia-se o murmurar cantante da água a embater suavemente nas pedras arqueadas, que formavam um dique.
Havia uma criança que brincava nas redondezas, com o seu cão fiel o Booby. Era um cão de olhos meigos, pêlo comprido. brilhante, da cor da terra que pisava. Um brincalhão que gostava de lamber, as maças do rosto do petiz.
O menino de olhos azuis e rosto ingénuo como o de todas as crianças, cantarolava nesses dias soalheiros, dos poucos que havia por essas bandas.
Nas suas vestes costuradas com restos dos tecidos que agasalhava o corpo de sua mãe, saltitava pela terra coberta de folhas e ervas verdejantes.
Divertia-se a perseguir o esvoaçar das borboletas multicolores, tagarelando pelo bosque, encantando-o. Nunca sentia medo de rodopiar ao redor das árvores que pareciam querer abraça-lo. Sentia-se uma fada espelhando o seu sorriso e a sua inocência por onde passava.
Um dia, encontrou um veado ferido à entrada do bosque, uma bala penetrava-lhe o costado.
Arrepiou-se e olhou assustado para o que o rodeava. Quem seria os malvados que tinham atirado num veado tão lindo? Dos seus olhos inocentes, deslizaram duas grandes gotas de água cristalinas, com sabor a sal e do seu peito a dor assaltou-o bruscamente, sentiu-se minúsculo quando fixou o olhar sofredor do veado.
Fechou os olhos e acreditou…acreditou muito fortemente que o seu anjo protector desceria dos céus e com a sua magia, retiraria a dor daquele animalzinho indefeso. Ficou ali de olhos fechados… crente que algo iria acontecer. Passou-se o dia, a noite, três dias e três noites.
Ao quarto dia, já enfraquecido, abriu os olhos e qual foi o seu espanto quando se deu conta, de que o veado não mais ali se encontrava. Procurou-o incessantemente e lá ao longe onde a sua vista quase não alcançava, descortinou-o feliz rodeado de outros veados cavalgando pelo bosque. Uma onda de ternura impregnou-lhe o peito vaidoso. Sentiu-se dono do mundo.
Então o bosque falou-lhe em voz doce e autoritária
Vai, sê dono dos homens, sê a ancora dos barcos que se perdem nas brumas escondidas, sê a luz que ilumina os rostos cansados de tentarem, sê aquele que vagueia pelo cosmos, enchendo as mãos dos que acreditam. Sê o comandante da vida, aquele que transforma a sobrevivência em vivência.
Vai e se te perguntarem o teu nome, respondes-lhe simplesmente, chamo-me sonho
E o sonho espalhou-se pelo coração dos homens. È ele que hoje comanda a vida, sem o sonho o homem morre, mesmo vivendo.
Escrito a 14/12/10