Poemas -> Sombrios : 

Na inutilidade que me perpassa o cântico

 
A geometria do verso, do verbo dobrado p’la cintura.

A palavra,
diáfana, pomposa e digna, que nenhum vento apaga,
que se perpétua desenhada nos lábios febris das águas,
em veias e teias d’ amplíssimas gotas…
que se escorre em babas lívidas,
no sal do corpo e nas salivas.

No horizonte,
toalhas onduladas de brancos linhos
erguem-se na vertical dos tempos,
e sobre elas, o perfume solidificado a quente,
em jarras sem flores, de vidro transparente,
diamante de paradoxal fragrância,
da mais oculta loucura,
esta que, espartana,
se agita em laivos efervescentes
em formas esfusiantes e sempre puras.

A solidão dolente
em que descanso no ombro ausente,
em que descanso o corpo,
do açoite, do negrume ácido da noite.

Rasgo as palavras, uma a uma,
apresas entre a língua e os dentes.

Rasgo a alma vagabunda em memórias dilacerantes,
no silêncio do gesto,
a que me ofereço, no rezar de um terço,
sempre aberto, sempre franco.

Na madrugada
esventro-me de ti, palavra moribunda,
verbo-poema, amado amante,
num parto de nado-morto, de rei deposto.

Sou palhaço
num circo desarmado em panos furiosos,
em excessos de prantos e choros,
no eco d’ avisos de sorumbáticos mochos,
às dores,
aos augúrios, prenúncios de cataclismos maiores.

Na inutilidade que me perpassa o cântico melodioso,
o Inverno retorna,
toma forma,
em risadas de escárnio inútil,
de um Sol que é por fim, no mar de mim,
e nesta tarde inebriada p’lo cheiro do mosto,
declínio, ocaso, Sol-posto.


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Autor
Mel de Carvalho
 
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Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 18/09/2007 20:22  Atualizado: 18/09/2007 20:22
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: Na inutilidade que me perpassa o cântico
Amiga Mel
Mais um belo poema, bem ao teu jeito, onde a tua maneira única de expressar o teu sentimento, faz da tua escrita, um enorme momento de prazer, para quem te ler.

Beijinho

Enviado por Tópico
Paulo Afonso Ramos
Publicado: 18/09/2007 20:54  Atualizado: 18/09/2007 20:54
Colaborador
Usuário desde: 14/06/2007
Localidade: Lisboa
Mensagens: 2080
 Re: Na inutilidade que me perpassa o cântico
"Na inutilidade que me perpassa o cântico melodioso,
o Inverno retorna,
toma forma,
em risadas de escárnio inútil,
de um Sol que é por fim, no mar de mim,
e nesta tarde inebriada p’lo cheiro do mosto,
declínio, ocaso, Sol-posto."

Passei para deixar um beijo.

Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 19/09/2007 07:03  Atualizado: 19/09/2007 07:03
Colaborador
Usuário desde: 03/03/2007
Localidade: Lisboa/Peniche
Mensagens: 1562
 Re: Na inutilidade que me perpassa o cântico p/ Cleo e Paulo
A ambos que muito estimo, o meu enorme obrigada.

Bom tomar o "café da manhã (são 8.05) convosco, amigos.

Abraços fraternos
Mel

Enviado por Tópico
Paloma Stella
Publicado: 19/09/2007 12:50  Atualizado: 19/09/2007 12:50
Colaborador
Usuário desde: 23/07/2006
Localidade: Barueri - SP
Mensagens: 3514
 Re: Na inutilidade que me perpassa o cântico
As perfeições que aqui utiliza, são as mais hipnotizantes por mim já lidas.

Esse seu poetar, hoje, abriu-me a mente para muito eu ficar a pensar.

Beijinhos linda Mel!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/09/2007 13:38  Atualizado: 19/09/2007 13:38
 Re: Na inutilidade que me perpassa o cântico
A Deusa da poesia...
Um beijo
ConceiçãoB

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