pensava eu
que entre mim e a eternidade havia tudo o que vejo
e não vejo
querendo-a
pensava eu
tinha de pisar um carreiro estreito e muito longo
para chegar a um ponto que via donde partia
mas que a cada passo meu
dava ele um passo certo comigo e ficava
mais à frente no caminho
tão perto como antes
e eu ainda ali no sitio da partida
pensava eu
que entre mim e a eternidade estaria deus
aquele deus que me ensinaram em criança
um velho barbudo e severo
tão antigo quanto o testamento
vestido de branco e sentado num sólio de nuvens
brancas da cor da luz
porque as negras adivinhavam outros tempos
às vezes
pensava eu
que o carreiro que imaginava subia
até à eternidade por uma montanha sem descida
e tinha certo que acabaria acima das nuvens
onde estaria sentado por perto o deus dos homens
luminoso
rutilante
incandescente
mas com a liberdade com que nasci e com o tempo
que me foi dado para chegar ao que vejo e não vejo
sei hoje que entre mim e a eternidade não há mais nada
estou no caminho da montanha
e toda a eternidade que eu possa querer
não está noutro sitio que não seja dentro de mim
e os passos que eu dou transportam a eternidade comigo
porque a partida e a chegada se fecham em círculo
são atributo do que é divino
e tributo dele a todos os homens
procura
procura e encontrarás
mas onde?
em ti porque és a segunda pessoa
que na gramática dos homens será com quem falas
mas na gramática divina é o filho que teima em não ouvir
porque deixou de saber falar consigo mesmo
e perdeu-se
pensava eu que a eternidade era assim longínqua
como no fim do céu
quando afinal está aqui
na terra
e entre mim e ela estou eu