O DIÁRIO
"Quem já não sofreu as angústias deste sentimento denominado ciúme, mas que dói e sangra que nem uma chaga?
O coração se consome em brasas, o peito arfa, a mente se desgasta em tentar conter os medos que esse sentir propaga. O corpo, em frêmito e embalde, tenta sufocar a lancinante aflição de antever o objeto do seu delirante almejo por outros ser cortejado.
Por isso, renego esta dor. Odeio este sentir tão egoísta que nos faz ver outros seres como se nossa posse fossem. Repudio essa exacerbação do coração e da mente, que em meio a suas certezas desconfiadas e suas agudas emoções contraditórias, teima em perseguir e tentar de todos afastar a inspiração que lhe dá asas a imaginação. Abomino o ciúme e determino que dele não serei vítima nem em seu nome algoz me tornarei". - ela escrevia em seu diário impetuosamente.
Queria transportar para o caderno preto, onde discorria sobre seus dias e pensamentos plácidos ou turbulentos, tudo o que sentia contra esse atroz, estapafúrdio e maligno sentimento que estava a corroer corações que ela conhecia.
Escrevia, escrevia, furiosamente. Até uma tese redigiria se preciso fosse para aplacar sua revolta descomedida, seu desdém imenso por tudo que era tocado e maculado pelo ciúme áspero que presenciava no seu dia -a dia.
Não. Ela não consentiria em admitir que sua sofreguidão, em tantas palavras lançar sobre aquele seu diário, provinha não do desprezo maldito por esta humana emoção que descrevera, mas de seu próprio ser que tantos anseios passou a sentir depois que valsou no Sobrado dos Azulejos.