“Démodé”. Ela pensava nesta palavra já há dias. Sabia exatamente o que significava e, embora tivesse certeza que lhe tinham dirigido tal termo de forma depreciativa, não poderia mais tentar mudar a alcunha que lhe fora atirada ao rosto de forma tão desproposital quanto intencional. Era como era vista e ponto final.
No entanto, ela compreendia. Sempre se sentira como uma mulher do século XIX, vivendo no XXI. Naturalmente, não abriria mão da tecnologia (talvez nem soubesse como viver sem ela, se voltasse no tempo), do notebook, do celular, dos dvd’s, cd’s e outras coisas modernas que gostava de possuir e usufruir na era em que vivia. E da independência, principalmente da independência, tão duramente conquistada, embora algumas vezes tentassem lhe surrupiar a mesma.
Acreditava, todavia, que mesmo no século XIX, acabaria obtendo essa condição, nem que tivesse que fazer uma revolução, porque esta era intrinsecamente ligada a sua personalidade e não aos tempos contemporâneos em que vivia. Ah! Mas esse saudosismo de uma época que não pudera presenciar! Realmente, talvez, por isso, seu jeito soasse estranho, dissonante para os seres em redor. Não, não cria que vivera vidas passadas. Acreditava era na sua inusitada “criação”, que lhe dera esse gosto pelas coisas passadas, essa melancolia por aquilo que não vira, mas gostaria de ter experimentado.
A explicação talvez estivesse nas suas origens. Era uma mistura de três etnias: açoriana, castelhana e bugre. Preponderava, entrementes, seu sangue açoriano, eis que nascera numa terra que fora colonizada por estes ilhéus que, dizem os textos históricos e psicológicos, são muito dados a melancolia e saudosismo dos tempos idos, e de sua velha ilha, quando já não mais residem lá. Alguns de seus descendentes, mesmo sem nunca terem posto os pés naquele lugar longínquo sentem idêntica nostalgia. Por isso, chamava a terrinha em que vivia de Ilha Açoriana, embora seu real nome fosse Rio Grande (a cidade, e não o Estado, porque havia sempre quem se confundia, até mesmo na terra gaúcha).
Além do fervor do sangue, calaram fundo em seu pensamento todos os livros, filmes, músicas e demais temas históricos que lera sobre o informado século. Sempre fora ávida leitora, desde que se conhecera por gente. Havia puxado este gosto excêntrico de seu falecido pai, que não falava muito. No entanto, este também achava esquisito o anseio devotado, descomedido até, de sua terceira filha pelas letras. Ele a achava meio estranha (talvez meio torta), desatualizada? Ela não saberia responder. Grande parte do pensamento e sentir de seu pai era extravagante a ela também, embora entre ambos houvessem mais semelhanças do que imaginara antes.
Suspirou e levantou-se da poltrona em que estava tranquila e deliciosamente acomodada. Ah! Aquele jeito de sentar, de postar as mãos no braço da poltrona, no colo ou segurando o queixo, tudo, tudo parecia ter saído de um retrato pintado nos tempos idos. E ela se sentia feliz em ser assim, calidamente desatualizada, detentora de um modo de ser totalmente diferenciado, com sua postura ereta, sua roupa praticamente impecável, a pele branca, que ela procurava proteger do sol para não bronzear, embora nem sempre conseguisse evitar de todo adquirir um pouco de cor.
Este fato realmente lhe deixava frustrada, pois depois do verão surgiriam alguns sinalzinhos que maculariam a alvura da sua epiderme, pois vivia na parte do país cujo clima era considerado subtropical, contudo, em algumas épocas fazia um calor quase equatorial. Não havia como fugir de todo dos efeitos solares sobre sua tez, de forma que, se não lhe era possível lutar e derrotar completamente o inimigo, ela ao menos se resignava em esperar o tempo passar para que voltasse a ser o que era: alva, mas sem ser doentiamente pálida.
Mas, como anteriormente dito, ela levantou-se da poltrona em que estivera meditando na tal palavra francesa. “Démodé. Mas o que era isso, afinal, pois se muitas coisas que há tempos haviam sido esquecidas pelas pessoas estavam ressurgindo – vestes de outros tempos, músicas da década de 80, o extinto LP, movimentos artísticos, políticos, culturais – e as pessoas os estavam copiando, embora acreditassem que estavam criavam novos estilos, novas formas de ver o mundo, porque somente ela haveria de ser démodé?”, refletiu enquanto encostava-se a janela para observar um mundo que mudava a toda hora, sem nada modificar. “Quimeras...”. Suspirou, naquele seu jeito fora de moda, silentemente, sorrindo e passando com os dedos uma mexa dos seus cabelos lisos por traz da orelha.
“Como eu queria dançar um tango, um Chamamé, ou, melhor, para ser ainda mais démodé, quem sabe uma valsa?”. Riu de seu pensar obstinado em relação ao tema. Teria se ofendido tanto assim?
Depois ficou séria. Faltava-lhe o par perfeito. Ela nunca o tivera, talvez nem viesse a ter. As danças de que mais gostava exigiam sempre um par, que dançasse bem, quase alasse durante a melodia, como ela aprendera a fazer, desta feita com sua mãe. Nenhuma “marca”, como se dizia no seu rincão, poderia dançar sem esse par onírico. Até nisto era desatualizada, gostava muito dos termos gaudérios de seu Estado, embora não os usasse muito para não parecer ridícula para alguns. Encolheu os ombros, indiferente.
E então, assim era sua pacata vida. Talvez desatualizada, com uma mistura de silêncios e melodias, de solidão e companhias, queridas ou não. Haveria de ser sempre vista assim, démodé. Com gostos quem sabe estranhos ou inusitados, mas que a algumas pessoas atraiam, atrairiam ou afastariam. Já tinha se acostumado ao fato.
Portanto, continuaria a observar a vida passar tranquilamente pela sua janela, sonhando com tempos idos, usufruindo os atrativos do presente e ansiando ternamente o futuro idílico com que sonhava, mas que não sabia se haveria de se concretizar. Nada mais da vida pedia, além de saber candidamente esperar.