Se ele quisesse, seríamos um só eco no sono do mundo, mas as fugas que ao fim do dia o remetem ao silêncio, são quase sempre uma encenação perfeita. Há como que, uma peça a ensaiar durante as horas que nos separam até chegar a noite, e aí, tudo funciona na perfeição. Há motivos que eu desconheço, palav...ras que não lhes sei o sentido, há de tudo um pouco, para a fuga ser uma verdadeira fuga. Se ele quisesse, eu seria um mundo a descobrir nas palmas sagradas das suas mãos.
Nos caminhos que percorro, há sempre outros que se abrem ao meu olhar. Se ele soubesse o que fiz naquele dia, para me ver nos seus olhos longos, duros, cobertos com a luz que eu lhe emprestei, quando saí de mim, para o encontrar? Senti o tempo parar. Ficaria ali, só para lhe ouvir a voz, e ler nos traços do seu rosto, um poema que falasse da suavidade dos rios, da agressividade das serras, que em meu rosto vêm pousar. São dias como este, em que fujo de mim, quando espreito na pele, uns versos nus para eu cantar. Há dias que me presto a tudo e, no tudo encontro sempre um amor esquivo, ausente na forma, e vejo um rosto magro, singelo e doce que traça o destino de um olhar. Vê além dos rios e dos mares, cobre-me sempre de aromas doces e de frutos silvestres que dormem na fragilidade de um raio de sol, sempre que se deita sobre fragas soltas e adormece nas encostas. Lá nas terras altas, há sempre um novo caminho para me encontrar de braços abertos, à espera que escorra algum pingo de luar. Lá, encontro-me sempre no rio que passa e me toma o corpo para me sentir navegar nas águas calmas e serenas. Aquelas outras, que se passeiam nas pedras das calçadas, trazem do cume das serras, resquícios graníticos que se emprestam ao negro manto cor da noite e brilham até ao despontar da aurora. Regam-me os pés da luminosidade que transportam da lua, e trazem um cheiro a urzes e a carquejas verdes. São os odores que dormem no seu corpo esguio, são os gestos nobres das gigantescas alvoradas que se desenham nas suas mãos esqueléticas e harmoniosas. Quero o sonho aberto à luz do sol. Se ele não me deixar adormecer nos seus olhos cor de xisto, eu cubro-me da luz que invento, sempre que fecho os meus, e lhe ofereço nas noites quentes, poemas tatuados no meu corpo.
Danço sempre que me encosto à noite e me aconchego ás madrugadas. Há sempre um sonho á espreita e das janelas abertas vejo as estrelas para lá dos mares. Nas árvores passa um resto de brisa que me cobre o rosto. Afaga-me do alto, uma clareira inteira em volta do meu corpo nu. Ele toca-me com um olhar forte que se entranha em mim e toma-me nos tempos mortos, em que saio para lá das serras e me cubro de um manto azul índigo. É lá que me deito, quando na minha boca se mastigam flores de desejo, que morrem ali mesmo, junto ao céu aberto, e ao rio que me inunda o corpo. Despe-se nos templos sagrados. A saudade aperta o negro monte e deixa cair nos pinhais, um resto de memória dos tempos em que o seu corpo se estendia no meu e fomos um só eco, no sono do mundo.
Às Escuras Encontro-te - Edição - Temas Originais
apresentação a 26 de Março