Imaginemos que durante um segundo eu serei total, serei mais do que matéria, do que eu, do que tu, do que nada, do que o mundo morto em que vivemos.
Deixemos a tinta cobrir a folha branca. Deixemos a tinta falar por mim, falar pelo meu silêncio tão cúmplice. Pois eu apenas dei a mão, robotizada pelos gestos que contigo fui aprendendo. Agora escrevendo, o pensamento toma as rédeas. Canta, grita, chora. Canta ou grita ou chora. Canta e grita e chora. Nesta hora, tão solta do tempo, imaginemos apenas.
Os pés firmados sobre o chão que se abrirá tocarão o vazio. Seremos livres da verdade e da mentira, seremos mais altos que isso. Estaremos nem no céu, nem no inferno. Estaremos dentro de nós mesmos. Mergulhados. Perdidos. Assustados.
Aaaaahhhhh!
Silêncio agora.
Uma folha em branco esperando
por um novo grito amigo,
escondido nas lágrimas quentes.
Concorrentes são as rectas
que correm para o vértice desalinhado.
Minhas palavras tão incertas
morrem no meu silêncio programado.
Porque as palavras são apenas pedaços,
areias movediças num deserto de nada:
mundo: espelho baço.
Ornamentos tão pobres todos, -
poesia, mentira ritmada
- e o meu grito perdeu-se no espaço.
Silêncio,
silêncio
e depois um outro diferente.
O ciclo vai-se repetindo como música,
como o bater do meu coração
que bombeia sangue saturado de medo:
coisa de gente.
Num outro decadente lugar
numa outra qualquer acção,
num outro perigoso enredo
alguém sentirá o mesmo:
um vazio,
vazio…
tão silencioso.