O VELHO MAM
Devagar atravessou a passarela em direção ao MAM. Quanto tempo, já não lembra, quanto. Flash do passado inunda seus pensamentos, como um filme antigo. Sente um cheiro de maresia, que vem do mar, pelo sopro leve da brisa... Olha as pessoas, já não são as mesmas, já não existe a magia colorida, das saias longas, dos colares de couro e nem se ouve a música, às vezes desafinadas dos violões ou das vozes alegres cantando música do Gil, Chico ou Caetano. Tão pouco se vê os grupos intelectualizados, espalhados pela grama, discutindo Max, Lênin ou Marcuse...
O céu este sim, ainda é azul e o mar às vezes se torna de um verde acinzentado, quase metálico e forçando a vista, ainda se vê Niterói.
Caminha até as “Pedras Pretas” e se assusta com as plantas diferentes que adornam pedras desbotadas, descaracterizando, o ponto de encontro de outrora – espero você nas “Pedras Pretas,” não se atrase – parece ouvir a voz do antigo namorado, - mas depois entende que foi uma ilusão, ou melhor, foi uma regressão no tempo. Sobe os degraus se dirigindo ao jardim das “Pedras Brancas” e outra vez se surpreende – não imaginava que pedras envelhecessem – mas elas estão gastas, rachadas, desbotadas com feios sulcos como se fora rugas, amareladas, porém ainda belas... ou será que são as lembranças que lhes dá boniteza? Fica algum tempo, buscando um momento perdido. Quase sente frio, não um frio de um junho passado, onde a beleza do céu dava uma alegria que doía no peito e sim, um frio doentio, de tristeza... um frio de agora.
Ninguém vende pulseirinhas ou passa oferecendo café ou chocolate pra esquentar e também não tem ninguém tentando se esquentar junto à ”fogueirinha de papel” nem mesmo, hoje ela sabe a inocência de dar um tapa num baseado... Tudo é silêncio, não o silêncio que precede o canto ou a palavra, mas o silêncio das igrejas fechadas...
Em passadas suaves como se temesse quebrar o encanto, vai até a murada e senta-se com as pernas balançando no ar... percebe que as pedras escuras, quase pequenos arrecifes, sumiram em seu lugar o cimento... nada de caiaques ou pequenos botes de pescadores; as lanchas se amontoam e invadem o píer, já não cabem na “marina.”
Deixa o olhar adentrar o mar, onde vê; quase um milagre, - ainda tem gaivotas, que se imobilizam no ar, antes de mergulhar para pegar o peixe. Lembra da Rosa, moradora de rua, que vivia ali, entre o mar e a murada, onde improvisar sua casa e que algumas vezes lhe oferecera peixe frito numa panela de ferro. Rosa era uma bela mulher de traços aciganados e que tinha como mãe Brigite, uma loura, que como Rosa contava, não passava sem homem... e que por isso brigavam tanto. Rosa tinha além do marido uma cachorra, de nome, Maresia. Rosa se encantava por ela, que era moça tão simples e lhe contava histórias engraçadas e riam até as lágrimas.
Quase sempre tinha programas importantes no Museu, então iam em bandos assistir Sergio Brito, Isabel Ribeiro falando de autores como Ionesco, Beckett ou Harold Pinter... Na cinemateca, filmes de arte, as vezes sem legenda, o que de certa forma tinha o seu encanto.
Se a fome era grande, podia-se comer no VASCO, ali bem perto.
Havia também as meninas bonitas, do Cosme Velho, de classe média alta, loucas, por aventuras diferentes...
Tinha Chico, menino bonito que morava na Muda e que levava a todos nós para sua casa, onde sua mãe preparava uns sanduíches maravilhosos... Tinha ainda a namorada do Chico, que ela não consegue lembrar o nome, só lembra que era linda; cabelos negros ondulados, caindo em cascata pela pele branca e sorrindo com o seu jeitinho tímido e olhos de Capitú...
Levantou-se assustada com uma criança, gritando com o pai.
Saiu dali pensando que não apenas, as pessoas envelhecem os lugares também; o MAM saíra de sua juventude e se transformara num lugar de filhos e netos... mesmo preservado, não era mais um lugar de vanguarda e sim um lugar de saudade...
jacydenatal