Crónicas : 

A Fúria de Pingo

 
A Fúria de Pingo
 


Sessenta centímetros de efervescência. É a melhor definição para o Pingo. O cachorro da minha vizinha.
O bicho late. Late,late,late e late!
E pula no portão, na grade, na parede, na perna!
O Pingo parece estar possuído pelo espírito de porco as vinte e quatro horas do dia.
A sua dona o solta duas ou três vezes por dia, na sua varanda. Eu, no apartamento de cima, me divirto com as peripécias do nanico.
Eu moro no segundo andar e o Pingo, logicamente, no primeiro. E ele fica alucinado com cada ser vivente que passa pela calçada. E com os não viventes, também. Sacos de plástico voando propiciam um espetáculo à parte.
Desconfio que o Pingo sofre de algum tipo de transtorno mental. Déficit de atenção, hiperatividade, ração estragada…
O fato é que o Pingo não é um cachorro comum. Ele – nunca – para.
Outro dia a sua dona mandou pintar as paredes da varanda de branco. Eu fico me perguntando o que leva uma pessoa a tal grau de masoquismo. Aquela alvura toda não durou dez segundos. Vinte, vá!
Lá, já estão carimbadas centenas, milhares de patinhas de um certo cãozinho que não compreende limites geográficos.
Eu também desconfio que o faro do Pingo não sejá lá grande coisa. Às vezes, estou refestelada na minha rede e ele não me percebe. Então, por um descuido inocente, ponho um pezinho pra fora da grade. Aí, o insano me vê e começa a latir e a pular, tresloucado, tentando subir pelas paredes.
Outro dia nos encontramos, o Pingo e eu, pelos corredores do prédio. Eu sei que o espevitado já andou se estranhando, levemente, com outro vizinho. Mas nosso encontro foi bem mais agradável.
Descobri que o nanico gosta de mim. O que me deixou muito metida à besta.
Na última reunião do condomínio o síndico veio com uma conversa de proibir cachorros no prédio e colocou a questão em pauta. Eu imaginei a minha vida, tranquila, sem os latidos metálicos do Pingo. Sem aqueles barulhinhos de patinhas nervosas, logo cedo, penetrando em ondas sonoras pelas frestas da janela do meu quarto. E sem aquela algazarra infernal que ele faz toda vez que escapa pelo corredor afora.
Meu voto à sugestão do síndico foi um sonoro não!
Meu, e o da maioria.
Afinal, foi só imaginar a minha vida sem o pestinha do Pingo pra descobrir que também gosto dele. Muito!


Nota: Esse aí na foto, obviamente, não é o Pingo. Ele autorizou a publicação do texto mas exigiu anonimato.

 
Autor
KássiaReis
 
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